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Fazer ouvidos de mercadorCastro Lopes explicou essa expressão como corruptela de “fazer ouvidos de mau credor”, sem explicar como se deu a confusão entre “mau credor” e “mercador”, ou como se processaram as alterações fônicas (Cf. LOPES, Castro. Origens de anexins, prolóquios, locuções populares, siglas, etc. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1909, p.159 e ss.) João Ribeiro (apud NASCENTES, Antenor. Tesouro da Fraseologia Brasileira. 3.e. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, s.v. Ouvido) acha que, na expressão, “mercador” é mercador mesmo, que, por gritar a plenos pulmões suas mercadorias em via pública, fez crer aos que o ouviam sua condição de mouco.
Melhor explicação, dá-no-la Orlando Neves (Dicionário das origens das frases feitas. Porto: Lello & Irmão, 1992, s.v. “Fazer ouvidos de mercador”), que atribui à palavra “mercador” uma corruptela de “marcador”, nome que se dava ao carrasco que marcava os ladrões com ferro em brasa, indiferente aos seus gritos de dor. O Diccionario do Moraes Silva (Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813) não consigna o termo “marcador”, mas, no verbete marcar, dá a seguinte explicação: “Pôr marca, sinal; v.g. marcar o gado com ferro quente; marcar o ladrão na testa;” o que confirma a existência da pena cruel e, consequentemente, a daquele que a aplicava. Assim, o “mercador” da frase feita é corruptela de “marcador”, o carrasco surdo às súplicas alheias.
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Conto do vigárioA palavra “vigário” vem do latim vicariu-, que significa “substituto”. Isso quer dizer que o sacerdote é chamado vigário por ser um substituto do bispo, numa paróquia. O Papa é chamado de “vigário de Cristo”, isto é, o substituto de Cristo. É nesse sentido original de substituto que se chama “vicário” (com c, por ter entrado na língua por via erudita) o verbo que, numa oração, substitui outro, da oração precedente, como em “Se ele pergunta é porque não sabe”, onde o É está no lugar de PERGUNTA. A expressão “conto do vigário”, para designar um engodo, relaciona-se com o sentido primitivo do termo latino, e não com o sacerdote. Em outras palavras, “conto do vigário” é a história em que uma pessoa leva o substituto (sem valor) de algo que pretendia adquirir com vantagem. Em termos proverbiais: leva gato por lebre. Também se chama “conto do paco”. Paco veio do latim paccus ou do francês pacque (palavra originária do étimo neerlandês packe), por intermédio do lunfardo, como gíria de ladrões. Pacote é diminutivo de paco.
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Amigo da onçaAlguns autores fantasiam a origem da expressão popular “amigo da onça”. Magalhães Júnior, em seu Dicionário brasileiro de provérbios, locuções e ditos curiosos (4. ed. Rio de Janeiro: Documentário, 1977, s.v. amigo da onça), conta a seguinte história: um caçador mentiroso dizia que fora acuado por uma onça de encontro a uma rocha. Sem armas e sem ter como fugir, escapa dando um grito tão violento que a onça, assustada, fugiu em pânico. Ante o descrédito do ouvinte, o contador de história pergunta: “Você é meu amigo ou amigo da onça?” Antenor Nascentes, no Tesouro da fraseologia brasileira (O.c. s.v. amigo), conta outra história: um caçador, à beira de um abismo, encontrou uma onça. Tentou matá-la, mas a espingarda falhou. O caçador então pergunta ao ouvinte se ele imagina o que aconteceu em seguida. Este, obviamente, responde que a onça teria devorado o caçador. E o caçador, indignado, pergunta: “Você é meu amigo ou amigo da onça?” São histórias fantasiosas sem respaldo documental.
Ora, “onça”, na expressão em estudo, não designa o felino, porque está no sentido clássico de “miséria”. “Estar na onça”, para João Ribeiro (Frazes feitas, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1908, p. 125-6) é estar na penúria. A libra tem doze onças. Estar na undécima onça é estar quase na miséria. João Ribeiro refere-se à expressão também em italiano: “su l’undic’once”, isto é, na undécima onça, quase na miséria. Macedo Soares (Dicionário brasileiro da língua portuguesa. Rio de Janeiro: MEC/INL, 1954, vol. I; 1955, vol. II, s.v. onça) explicita que “estar na onça” é “loc. dos estudantes, não ter vintém”. Quem só tinha uma onça procurava guardá-la ou evitava gastá-la, para não ficar a zero. Tornou-se, portanto, compulsoriamente, um “amigo da onça”. Com o tempo, “amigo da onça” passou a sinônimo de “amigo da miséria” alheia, como o personagem que o humorista Péricles de Andrade Maranhão imortalizou nas páginas da revista O Cruzeiro.
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Expressões váriasHá algum tempo, divulgaram-se na Internet explicações ou alterações incorretas de ditos populares, como “batatinha quando nasce espalha a rama pelo chão” (o correto mesmo é “se esparrama pelo chão”); “esculpido e encarnado” ou “esculpido em carrara” (o correto é realmente “cuspido e escarrado”; a expressão veio do francês, em que o verbo cracher, “escarrar”, também significa identidade, donde a palavra crachat, “escarro”, que deu origem ao português crachá, designativo da plaquinha de identificação que as pessoas trazem no peito; em francês, il est le père tout craché significa “ele é o pai escarrado, isto é, é igual ao pai”; em inglês, spit, “cuspo”, também é usado como identificação, donde a expressão: He is the spit and image of his father, isto é, “ele é o cuspo e a imagem do pai”); “corre de burro quando foge” (forma que Castro Lopes (Obra citada, p. 249 e ss.) sugeriu para corrigir a expressão adequada “cor de burro quando foge”, em que “burro” designa a cor vermelha que um fujão apresenta, e não o animal (em latim, burrus, adjetivo de primeira classe, significa “vermelho”; de burro”, cor, temos palavras como “borro”, designativa do carneiro entre um e dois anos, e “borracho”, que designa o pombo sem penas, por sua coloração avermelhada, e possivelmente “borrega”, ovelha de um ano); “quem tem boca vaia – verbo vaiar – Roma” (o correto é exatamente “quem tem boca vai – verbo ir – a Roma”, frase originada das peregrinações a Roma, donde palavras como “romaria” e “romeiro”, associadas à peregrinação); “quem não tem cão caça como gato”, isto é, “sozinho” (o correto é mesmo “quem não tem cão caça com gato, isto é, à falta de uma chave de fenda, usa-se a faca sem ponta para apertar o parafuso, isto é, à falta do instrumento adequado, a necessidade faz o sapo pular). Essas explicações são anticientíficas, sem respaldo documental, e devem ser desprezadas.
Quanto à expressão “estar com o bicho carpinteiro”, uma explicação. O verme nematódeo, parasito intestinal enteverobius vermicularis ou, simplesmente, oxiúro, provoca distúrbios intestinais, dores abdominais e, sobretudo, pruridos anais. Esse verme serviu também para cunhar a expressão “estar com bicho carpinteiro” (e não “estar com o bicho no corpo inteiro”), que designa o estado em que se encontra alguém que não consegue ficar quieto um minuto, segundo a lição de Leite de Vasconcelos, em Etnografia II. Antenor Nascentes, na obra acima citada, no verbete bicho, cita Leite de Vasconcelos, mas sua explicação é a de que o nome teria vindo de um coleóptero do gênero xylotrophus (xylo em grego, significa “madeira”; e trophus, “alimento”, donde “bicho carpinteiro”, o que se alimenta de madeira).