Um amigo me viu, recentemente, na cadeira mais próxima da porta de saída do seminário onde eu me encontrava por osso do ofício. “Vamos lá para a frente. Há cadeiras vazias, ali”, ele me propôs. Respondi que pretendia sair à francesa, tão logo começassem os debates de cunho técnico. Os pronunciamentos iniciais com frases de efeito, o anúncio de ações jurídicas ou administrativas já me bastariam para a produção do texto jornalístico. Depois disso, eu escaparia sem acenos e sem ser notado. E assim fiz.
“Saída à francesa”, de onde vem isso? Faço a consulta e o Google me conduz à rivalidade histórica entre franceses e ingleses. Em meio a estes últimos, sair à francesa seria coisa de gente rude, deseducada, indisposta ao cumprimento e à despedida. Acontece que, pela mesma razão, os franceses adotaram o termo “saída à inglesa” (filler à l’anglaise), ao que leio.
Dessa rivalidade eu já sei há muito tempo. Lembro de uma matéria de revista acerca do encontro às cegas entre as duas equipes de operários e engenheiros ingleses e franceses que escavavam abaixo do fundo do mar quando da construção do Eurotúnel, a conexão do Reino Unido com o continente europeu. Operava-se o milagre tecnológico que possibilitaria às duas enormes brocas escavadoras, saídas de pontos opostos, toparem uma com a outra, com desvio apenas de centímetros, no meio do percurso. Antes dos abraços e do estouro de champanhas, um engenheiro inglês comentou, em tom de deboche, assim que os dois ventos se misturaram: “Que cheiro de alho”.
O repouso compulsório, por estar adoentado, é o que me permite o tempo para pesquisas do gênero. Então, vamos lá. “Fazer uma vaquinha” data dos anos de 1920, quando a torcida do Vasco imaginou uma forma de premiar o time, nos casos de vitória. Utilizou-se, para tanto, do Jogo do Bicho. Desse coelho, do Grupo 10, o prêmio amealhado entre os fãs seria de dez mil réis. É claro que o mais desejado pela equipe seria o de 25 mil réis correspondentes ao Grupo 25, da vaca.
Também veio do futebol o “vai terminar em pizza”. É que a fome bateu nos dirigentes do Palmeiras, ao cabo de 14 horas de debate dos problemas do clube. Assim, a reunião continuou numa pizzaria. “Crise no Palmeiras termina em pizza”, mancheteou o jornalista Milton Peruzzi. Na época de Collor, quando muitos duvidavam do impeachment, a discussão política e o consenso de que o processo de afastamento não se consumaria deram força nova à velha expressão.
Consultem Câmara Cascudo e vocês verão que “chorar as pitangas” é chorar as lágrimas de sangue dos portugueses, no período colonial. Especialista nessa matéria, o mesmo Cascudo tem no “arroz de festa” a sobremesa doce e famosa no século 14. Mas a expressão também já foi atribuída ao boca-livre, aquele sujeito que não perde evento social do tipo 0800.
“Matar cachorro a grito”? Perguntem, agora, ao professor Ari Riboldi, autor do livro “O bode expiatório 2”. É que esse bicho escuta sons inaudíveis pelos humanos, alguns deles agonizantes.
“Elefante branco”, segundo o mesmo Riboldi, advém do Reino do Sião, a Tailândia atual. Um animal assim era uma raridade e, portanto, sempre dado ao rei que podia repassá-lo aos súditos dos quais gostasse. Não servia para nada, dava um trabalho danado, mas ai de quem o recusasse. Hoje em dia, é a obra pública sem serventia, porém custosa aos indefesos contribuintes.
“Chato de galocha” teve origem no hábito grosseiro de se entrar em casa alheia com a dita cuja a enlamear o piso. É termo que passou a designar os inconvenientes nossos de cada dia. Galocha, para quem disso não saiba, era o sapato de borracha que vestia o sapato comum a fim de livrá-lo das poças e sujeira em dias chuvosos. “Corredor polonês” é o terreno do suplício. Em sua origem, foi a faixa estreita na qual os da Polônia terminaram encurralados, em 1939, pelas tropas de Hitler. Não havia como escapar.
Quer explicação para “bode expiatório”? Abra a Bíblia e vá a Levítico, capítulo 16.Nos anos de 1980, eu acumulava os encargos de correspondente d’O Globo e editor d’O Norte. As duas empresas não concorriam, tinham tamanhos e praças diferentes e, assim, os dois patrões me permitiram o acúmulo. Foi quando vi um corredor polonês na Central de Polícia para a recepção de pequenos larápios, bêbados e desordeiros, em período carnavalesco. A ocorrência dessas prisões alimentaria matéria pautada pelo jornal carioca à guisa de estatística relacionada ao carnaval brasileiro e seus incidentes. Até o ingresso na cela, os infelizes corriam e, na medida do possível, se esquivavam de tapas e chutes desferidos por agentes policiais postados, às gargalhadas, em fila dupla. Quase todos seriam soltos na Quarta-Feira de Cinzas, mas, até lá, a cada ingresso no xadrez animariam a festa dos homens da lei obrigados ao plantão enquanto o resto do mundo caía no frevo.
“Chutar o balde”. Façam suas escolhas. A origem pode estar no chute da vasilha pela vaca leiteira na hora da ordenha. Ou pode remeter aos enforcamentos primitivos, quando os carrascos chutavam baldes sob os pés daqueles com a corda no pescoço.
“As paredes têm ouvidos” desde que Catarina de Medicis, a rainha católica, perseguidora extremada dos protestantes franceses, mandou fazer buracos nas paredes do palácio a fim de ouvir aqueles dos quais suspeitasse. Mas contam que a expressão também é encontrada no alemão e no mandarim.
Diego Almagro, um dos conquistadores da América, perdeu um dos olhos em batalha contra os Incas. Desde então, há coisas que podem “custar os olhos da cara”.
“Salvo pelo gongo” não poderia ter outra origem senão a do box. A campa soada para assinalar o intervalo entre um round e outro salvaria o contendor mais fraco do golpe final. Contudo, há quem fale de origens mais antigas, a do caixão seguro. Ou seja, a do sino disposto do lado de fora do túmulo acionado por meio de um cordel pelo sujeito que, em morte aparente, fosse enterrado vivo.
“Voto de Minerva”. Pois bem, Orestes matou a própria mãe e o amante desta para vingar o assassinato do seu pai. Teve o deus Apolo como advogado no julgamento presidido por Atena (Minerva, na versão latina). Com empate na votação dos doze jurados, Apolo pediu o desempate à presidenta do júri. E ela o fez, neste caso, em favor do réu.
“Rodar a baiana” advém de antigos carnavais e dos malandros que beliscavam o bumbum das moças. A fim de protegê-las, alguns capoeiristas vestiam aquelas roupas femininas e metiam os pés na cara dos atrevidos a cada beliscão. Quem estava de fora via a baiana rodar e o estrago disso decorrente. Hoje, é sinônimo de altercação, encrenca, confusão.
Quer explicação para “bode expiatório”? Abra a Bíblia e vá a Levítico, capítulo 16. Fala de rituais da purificação, um deles com a participação de dois bodes. Um era sumariamente sacrificado e tinha o sangue aspergido no santuário. O outro, carregando todos os pecados dos filhos de Israel, era abandonado no deserto para a agonia e o padecimento.
“Mudar da água para o vinho” remete, evidentemente, ao primeiro milagre de Jesus. “Puxa-saco”, em sua origem, nominava o soldado raso escalado para carregar os suprimentos dos superiores.
Não é de hoje que “negócio da China” é um bom negócio. A maior potência econômica do mundo moderno, em paridade de poder de compra, já envolvia o mercador Marco Polo em suas viagens ao Oriente lá pelo Século 13. Finalmente, “ter o rei na barriga, sinônimo de arrogância, já foi um rei na barriga, mesmo, de rainhas grávidas.
Nada como uma bela gripe, dessas que obrigam o repouso no santo recesso do lar, para a busca de coisas como essas. Por fim, acato reclamações atinentes ao fato de que trato, aqui e agora, de cultura inútil. Eu sei disso, mas, de todo modo, permito-me a diversão.