Foi-se há poucos dias, aos 78 anos, Carlos Aranha, jornalista, escritor, compositor e agitador cultural, entre outras atividades e outros talentos. Antes de tudo, um inquieto, sempre em movimento, sempre fazendo “artes”, no bom sentido, como se dizia antigamente das crianças peraltas. E no caso de Aranha a palavra “artes” tem tudo a ver, pois ele foi essencialmente um artista, uma ampla vocação de artista, plenamente realizada ou não, não importa.
Carlos Aranha A União
Dizer que ele foi vanguardista é fácil. Pois ele de fato o foi – e em larga escala. Desde sempre. Ainda mocinho, o filho de Dona Antonieta, por quem expressava pública veneração, já foi “aprontando”. Lembro-me dele cabeludo e vestido rebeldemente ao estilo jovem dos anos 1960/1970, na linha transgressora dos Beatles, dos Rolling Stones e de outros ídolos da época. Ouso arriscar, pois com ele não convivi, que viveu intensamente, como poucos rapazes aldeãos de seu tempo,
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Dizer que ele foi plural também não é difícil. Tal como Mário de Andrade dizia de si mesmo, Aranha não foi apenas um, foi trezentos e cinquenta. No mínimo, digo eu. E não poderia ser diferente, pois transitando livremente por tantas áreas de atividade e por tantas tribos, teria que multiplicar-se necessariamente. Mas sem perder a identidade, a marca pessoal, a essência. Ser muitos sendo ele mesmo, o travesso rebento da professora Antonieta, também mãe do ameno médico e cronista Marcos, cuja memória reverencio. Não temeu Aranha a pluralidade, o pluralismo. Pois praticou-a desafiadoramente em muitas direções, como se atendesse à própria
Marcus Aranha @osebocultural.com
Mas, por último, dizer que ele foi sozinho, sem tê-lo conhecido de perto, aí é já assumir um certo risco de errar, que temerariamente assumo, pois foi esta a impressão que dele me ficou – e não apenas por conta de seus derradeiros dias neste mundo, estes sim marcados por uma indisfarçada solidão, que nem a visita eventual de algum amigo conseguiu amenizar – nem esconder. Vejo-o solitário, do mesmo modo que vejo todos os vanguardeiros, daqui e de todo lugar – e também de todos os tempos. Solitário de uma solidão que é o imposto pago pela ousadia de ir à frente dos contemporâneos, a anunciar e a propor novos tempos. Aqueles que haverão de vir, por mais resistência que haja por parte do establishment, já que esta é a lei da vida e do mundo: o sempre renovar-se, mesmo que conservando algo das tradições, pois que a marcha civilizacional consiste exatamente nesse acúmulo contínuo de experiências humanas que se remoçam e se preservam. Entre os preços que pagou por sua rebeldia, com certeza consta esse da solidão, mesmo quando eventualmente acompanhado.
Carlos Aranha A União
Por paradoxal que possa parecer – e os paradoxos não são estranhos a personagens como Aranha -, a culminância de sua trajetória humana e profissional foi sua entrada na Academia Paraibana de Letras, com direito aos veneráveis e tradicionalíssimos rituais e símbolos acadêmicos. Neste ponto, teve ele mais sorte que Oswald de Andrade, outro rebelde, que, no fim da vida, quis ingressar na ABL, mas foi rejeitado, certamente como troco pelas inúmeras ofensas anteriores que, antropófago, fizera à instituição. Razão pela qual, neste particular, pode-se dizer que Oswald terminou por devorar a si mesmo. E a vetusta Academia riu por último. Como riu por último a Academia Sueca ao conceder o Nobel de literatura a Bob Dylan, ícone das canções de protesto…
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Não consigo prever qual será a posteridade de Aranha. Nem mesmo se haverá, para ele e sua obra, alguma posteridade. Isso só o tempo dirá. Mas que marcou a aldeia e seus contemporâneos, dúvida não há.