Hoje se completam 110 anos da morte de Augusto dos Anjos (Ver, neste portal, o texto “ Última revelação ”, em que registramos os derrad...

Augusto cada vez mais vivo

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Hoje se completam 110 anos da morte de Augusto dos Anjos (Ver, neste portal, o texto “Última revelação”, em que registramos os derradeiros momentos do poeta). A propósito da data, vale a pena relembrar aqui alguns aspectos da sua inovadora poesia.

O “Eu”, de fato, representou um divisor de águas em nossas letras. Com ele, a literatura brasileira despedia-se do século 19 e entrava na modernidade. O livro apareceu num contexto em que, segundo o crítico Ferreira Gullar,
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Ferreira Gullar ▪ 1930—2016 ▪ Fonte: Arquivo Nacional, via Wikimedia
“predominava’ a literatura ‘sorriso da sociedade”. Nessa época proliferavam conferências sobre temas como ‘Casar é bom... ‘ e, como réplica, ‘Mas não casar é melhor’.” Para o autor de “A luta corporal”, “... essa subliteratura era decorrência de uma concepção literária anterior que descartava as questões verdadeiras”.

A poesia de Augusto dos Anjos apresenta vários núcleos dramáticos. Um deles está representado pelo conflito entre razão e sentimento, ou cientificismo e espiritualismo. Como todos os intelectuais da época, o poeta vivenciou as dúvidas e contradições próprias do fim do século XIX e início do século XX, com o Positivismo ameaçando a crença religiosa e propondo um ordenamento social pautado, essencialmente, nas verdades da ciência.

No entanto, a poesia de Augusto dos Anjos “não se prende a um credo científico ou filosófico específico. Em vez disso, ela reflete uma visão de mundo profundamente pessoal e única, marcada por uma fusão de elementos científicos, filosóficos e existenciais”. (Wikipédia). É sobretudo um tecido de revelações inconscientes, em que sobressaem temores culposos, obsessão com a morte, fantasias ligadas ao destino do homem como indivíduo e como espécie.

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Entre o fim do século 19 e o começo do século 20, conviviam entre nós estilos de época diferentes. Se havia novidades na prosa – com “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, ou “Triste fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto –, na poesia encontravam-se ecos retardatários do Simbolismo e do Parnasianismo, misturados a um poetar “científico” que refletia os postulados oriundos da Escola do Recife. Devido aos elementos novos que trouxe à literatura brasileira, não é de admirar que o “Eu” tenha chocado as sensibilidades ainda afeitas ao ideário parnasiano-simbolista. Augusto abria um novo horizonte quanto aos temas e ao estilo.

Seus críticos e intérpretes logo perceberam que estavam diante de algo novo. O poeta compunha em decassílabos, fazia versos rimados, mas adotava recursos que subvertiam a tradição lírica.
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Charles Baudelaire ▪ 1821—1867 ▪ Fonte: Wikimedia
Ao vocabulário tomado de empréstimo à filosofia e à ciência, aliavam-se o prosaísmo e as referências escatológicas. Incluindo o escatológico e o trivial em seus poemas, Augusto revelava-se um herdeiro de Baudelaire, para quem era importante “representar com exata clareza o inferior, o trivial, o degenerado”. Esse tipo de representação é uma das características da modernidade, que busca aproximar a poesia da experiência comum das pessoas.

Sobre o livro do paraibano, surgiram alguns equívocos. Um deles foi considerá-lo um bom poeta “apesar” da estranheza das imagens e do vocabulário inusitado. Os adeptos da “poesia científica” queriam talvez mais um versejador que se utilizasse da métrica e da rima (geralmente se confunde isso com poesia) para divulgar princípios e conceitos da ciência e da filosofia da época. Não compreendiam que em Augusto os termos científicos aparecem como imagens; valem justamente pelo que têm de estranheza, contundência semântica e impacto fônico-expressivo. Nisso está, em grande parte, a revolução que ele trouxe.

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  1. O mestre voltando a um de seus temas de sempre. E os leitores a aprender sempre mais sobre o poeta do Eu. Parabéns, Chico. Francisco Gil Messias.

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    1. Obrigado, Gil! Sua leitura é sempre uma honra.

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  2. Imaginem se o Dr Chico Viana, a quem me vinculo historicamente, por ter sido aluno do seu, saudoso professor João Viana, se ele tivesse lido os poemas de Augusto dos Anjos, através da psicografia do maior brasileiro do século, Franco Cândido Xavier, no livro Parnaso de Além Túmulo, dentre os mais de quatrocentos livros, todos psicografados, por Chico Xavier, a sua tese de Doutorado, iria acima dos limites techno-literários, pois, Augusto dos Anjos, é um dos mais dos mais brilhantes poetas brasileiros, entre centenas inseridos no Parnaso. Está coluna está de parabéns. Estamos a viver boas páginas. O simples é culto Carlos Romero, está lendo e gostando lá na espiritualidade. Boa tarde. Muita paz para todos.

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    1. Gratifica-me saber que você foi aluno do meu pai, com quem tive as primeiras orientações para o magistério. Fico feliz em saber que você aprecia a coluna. Abraço!

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