“Corro atrás dos sopros do zéfiro para me distrair. Mas o meu coração só aspira ao rosto Daquele que deu o Seu perfume aos ventos.”
Provérbio sufi
Provérbio sufi
Segundo a mitologia grega, Zeus, deus dos céus e pai dos deuses, terá concedido a superintendência dos ventos a Éolo, que vivia na ilha flutuante de Eólia, com Aurora, sua mulher, e os seus seis filhos e seis filhas, casados entre si. Quando Odisseu saiu da ilha, foi-lhe dado um odre
que continha os “ventos uivantes”, podendo ser libertados consoante as necessidades. O sopro de Zéfiro foi então enviado para ajudar os barcos a afastarem-se e prosseguirem a sua odisseia. No entanto, a curiosidade e a ganância fez com que seus homens abrissem o odre, pensando conter riquezas. Desse modo, os ventos foram libertados, desencadeando uma tempestade na qual se afundaram. Somente Odisseu sobreviveu à tormenta.
No espectro árabe, de entre os sinais precursores da natureza, os ventos (al-ariyah; singular ar-rih, também conhecido no Sahara ocidental e na Mauritânia por sulaiman) granjeiam a sua denominação de acordo com a direção que tomam, ou onde se formam:
▪ o sharqi é o vento de Este;
▪ o sharq do Oriente;
▪ o gharbi sopra de Oeste (gharb);
▪ o qabli ou guibli é o vento sudeste que sopra na direcção de Meca (Makkah al-Mukarramah);
▪ o shamali é um vento do Norte, geralmente um tufão;
▪ o khamsin (chamsin, por aportuguesamento) é um vento seco, primaveril, carregado de areia finíssima, que sopra do deserto.
O khamsin é sobretudo conhecido no Egito por influir nas correntes e com as inundações do Nilo, durante o período em que se faz sentir. Em regra, esta forte tempestade é seguida pelo hubuud, termo beduíno utilizado para designar “possível combinação de coisas erradas”. Uma curiosa e apropriada denominação, já que o hubuud associa fortes trovoadas embutidas e tempestades de areia, o que dificulta a sua detecção pelos radares.
O simun (do árabe simmun; plural sima’in) é um vento ciclónico, quente e seco, oriundo do Sahara e que sopra na parte oriental do Mediterrâneo, de Sul para Sudoeste. É de tal forma receado pelas povoações que, etimologicamente, o seu nome deriva da palavra árabe simm (veneno). Outros nomes conhecidos a estas ventosidades são: snun, smiel, sameli (segundo os diferentes dialectos), shiluk (sirocco ou scirocco), um vento de Sudeste, o libesh (libeccio), vento de Sudoeste, o shirsh (circius), vento de Noroeste, e o barrany, vento de Nordeste.
O sirocco é um vento quente, asfixiante e empoeirado que sopra na região do Mediterrâneo, especialmente na Itália, Sicília, Malta e Grécia. Vindo do Norte de África, com origem no deserto do sahara, surge sobretudo durante a Primavera e Verão.
São interessantes as ilações que Niebuhr incluiu no seu livro Description de L'Arabie no capítulo relativo ao simun (tomo I, pág. 11). Os árabes relatam trágicos episódios ocorridos nas regiões flageladas pelo terrível vento simun. Ele ocorre frequentemente durante o período do verão, na época em que o calor é mais intenso. Em Meca, por exemplo, a direção da corrente é assinalada de Este para Oeste, enquanto em Basra o vendaval apresenta sempre a orientação Norte-Oeste.
Os árabes que vivem no deserto estão muito habituados com o ar puro e não suportam o “cheiro” do simun — “é um fétido capaz de causar náuseas a um elefante”, dizem. Quando o simun rompe na sua violência máxima, a região do céu, nas vizinhanças da linha do horizonte, apresenta uma cor avermelhada e o vento desloca-se em marcha horizontal, varrendo a colina, arrastando as pedras, derrubando as tamareiras e erguendo, para as alturas, nuvens sufocantes de areia. Os homens deitam-se no chão, com o rosto voltado para baixo, defendendo-se, desse modo, da areia e das rajadas ardentes, que são extremamente perigosas. “Ao passar o simun”, narram os beduínos, “o calor é tão forte que temos a impressão de sermos empurrados para junto da boca de um forno imenso em plena actividade”.
Para além destes, os árabes concebem ainda os ventos de Meridiano (katt attul), os de Paralelo (katt al’ard) e os chamados quatro ventos colaterais “intermediários” que permitem, com os restantes quatro já referidos, construir uma rosa de oito ventos. São eles: o azyab (ou azib), o sabyi ou nakayba, o jirbya e o hayf. O hayf designa o Sudoeste, o azyab o Sudeste, o sabyi o Nordeste e o jirbyia o Noroeste.
Já no plano da simbologia escatológica-religiosa, a importância dos ventos é, por exemplo, evocada no capítulo 35 do Alcorão, al-Fatir (O Criador), no seu versículo 9, e em an-Nur (A Luz), surata 24; versículos 43 e 44, quando menciona a brisa e a associa ao sopro da Ressurreição. Há, noutro plano, igualmente referências ao ruh ou ruah, o “Sopro de Deus”, o Poder Omnipresente, o Espírito da Santidade (capítulos 2 e 42, versículos 87 e 52, respectivamente). Um dos capítulos do Alcorão detém ainda o sugestivo título de “Os Ventos Disseminadores” (az-zariat), que é um pouco um repto aos iníquos e aos incrédulos.
Ainda sob o veio das auras, nessa osmose da mutação dos elementos entre o céu e a terra, das alternâncias de luz e sombra, do dia e da noite, do movimento dos ventos elevando as areias do deserto, do curso das estrelas na esfera celeste, tudo obedecendo a leis misteriosas, desconhecidas e inconcebíveis, até a Cúpula da Rocha (em árabe Kubat al-Sakhra), um dos mais sublimes esplendores arquitectónicos do mundo e o terceiro lugar em santidade para os muçulmanos (depois da Ka’aba em Meca e da Mesquita do Profeta em Medina), custodia um santuário com o epíteto de kubat al-ariyah, em árabe “a Cúpula dos Ventos ou dos Espíritos”.
Mesquita do Profeta, Medina, Arábia Saudita
Segundo a historiografia geral, os moinhos de vento terão surgido na Pérsia, por volta do século V, sendo muito difundidos no mundo árabe. Em Portugal do século XI, encontram-se já referências à existência de moinhos de vento na região de Cascais, mais precisamente em Alcabideche, segundo se pode aferir nos versos do poeta luso-árabe Ibn Muqana al-Qabdaqi:
“Ó tu que vives em Alcabideche, oxalá nunca te faltem, nem grãos para semear, nem cebolas, nem abóboras, se és homem de decisão precisas de um moinho, que funcione com as nuvens sem necessidade de regatos”.