Naquele 7 de junho de 1996, um dia depois do meu aniversário, não vi a santa prometida pelo cearense Ernane dos Santos, nome de larga militância no Movimento de Renovação Carismática em franca expansão, à época, na Igreja Católica. Não a vimos eu nem aquelas 2 mil pessoas aglomeradas em área baldia situada nas proximidades do então Seminário do Nazareno,
no Altiplano do Cabo Branco, bairro de João Pessoa.
Aquela era mais uma das esquisitices que eu me via obrigado a cobrir, neste caso, para o Jornal do Commercio, do Recife. Antes, em 13 de maio de 1980, eu viajara a Campina Grande a fim de ver “o fim do mundo” anunciado por Roldão Mangueira, pequeno empresário do ramo do algodão e líder dos “Borboletas Azuis”, grupo já um tanto numeroso de homens e mulheres assim apelidados em razão da cor da túnica que vestiam. Com pauta d’O Globo, ofereci carona ao companheiro Erialdo Pereira, repórter do Jornal do Brasil.
Desembarcamos na rua onde Roldão mantinha a sede dos “Borboletas” trancada a sete chaves e nos pusemos à espera não da bola de fogo e dos 120 dias seguidos de chuva que varreriam do mapa os moradores de Campina e os habitantes do resto do mundo. O que pretendíamos era documentar a desilusão daquela gente de azul e branco. Como todos reagiriam ao falso profeta? Era a grande questão. Contudo, as portas não nos foram abertas e, posteriormente, o grupo, felizmente, se desfez em paz.
Fanatismo, meus caros, não é coisa para brincadeira. Às vezes, termina em tragédia. Quem disso não lembrar, ou não souber, tem a oportunidade de agora perguntar ao Google sobre Jim Jones, pastor e fundador do Templo do Povo. Esse norte-americano, em 18 de novembro de 1978, levou à morte, em sua maioria por suicídio, 918 pessoas num pedaço da Guiana por ele comprado. Terminava, assim, seu projeto utópico de um paraíso na Terra iniciado em 1956, em Indiana, Estados Unidos, com o FBI nos calos.
No fim de abril de 1996, perguntei ao então presidente da Assembleia Legislativa, numa Paraíba com tantos problemas, porque os discos voadores preocupavam a Casa a ponto de ali provocar uma Sessão Especial. Resposta do moço: “Se a Câmara dos Lordes já fez isso na Inglaterra por que não podemos, também, fazê-lo?”.
Na ocasião, a brejeira Guarabira era uma espécie de capital nacional dos ovnis, sigla para objetos voadores não identificados. A sessão fora requerida pelas lideranças de quatro partidos por sugestão de entidades ufológicas (a expressão vem de ufo, a versão da sigla em inglês para esses mesmos objetos). Acorreu à Assembleia gente de tudo quanto é canto para seus relatos e debates. Houve quem ali dissesse que Guarabira situava-se num corredor magnético com origem no polo norte. passagem pela África e término em Minas Gerais.
Mas, no Altiplano, não vi a santa, repito, mesmo quando Ernane dos Santos anunciou de um palanque improvisado: “A mãezinha do céu, chegou”. O que ali vi foi a comoção e o choro de muita gente. Vi pessoas em transe, ouvi orações fervorosas e gritos do tipo: “Vejam a cor daquela nuvem”. Afirmo que as nuvens nas quais reparei detinham a cor que sempre apresentam em dias chuvosos. Prenunciavam um aguaceiro.
Se Maria ali chegou mesmo, nos veio com atraso. O vidente anunciara, um dia antes, para as 14 horas, a sacra visita à velha e sofrida Paraíba. Os relógios apontavam três da tarde quando ele contou da aparição da santa sobre um arbusto de médio porte, “com seu manto a tocar as folhagens”. Viera, ao que disse, acompanhada do Arcanjo Gabriel. Parte da multidão aplaudiu enquanto a outra passou a entoar cânticos exaltados de louvor. Antes que Ernane a todos repassasse a mensagem que afirmara ter ouvido da mãe de Cristo, a arvorezinha foi completamente desgalhada pelo grande número de mulheres e homens desejosos de levar para casa seus ramos e folhas. “Já arrancaram tudo?”, espantou-se o vidente.
Mas, afinal, o que Maria teria trazido a todos nós, pecadores, por intermédio de um camarada com santos no nome? “Ela deseja que a humanidade se uma em oração, diariamente, às 15 horas, o momento da Via Sacra e da misericórdia de Deus”. A santa teria lastimado o esquecimento dessa hora pelos fiéis.
“A Igreja não aprova isso. É charlatanice pura. As mensagens que ele afirma receber, ou são cópias de outras mensagens, ou são de natureza dúbia”, dizia-me, depois, o vigário geral da Arquidiocese, padre Luís Antonio. Este último também lembrava de que Ernane estivera preso sob acusação de assédio sexual. Eu soube, por essa mesma fonte, que desde o arcebispado de Dom José Maria Pires (então já substituído por Dom Marcelo Carvalheira), Ernane estava impedido de usar os templos católicos da Paraíba.
O que me traz essas recordações? Um recorte do Jornal do Commercio agora reencontrado num fundo de baú onde deposito parte dos meus escritos (aquilo que lembrei de guardar) e muitas das minhas saudades. Há, ali, também, fotografias diversas e velhas cartas, dessas que fazem lacrimejar um sujeito com meu tempo de vida. Por fim, deixo o aviso: sejam vocês repórteres com décadas de batente e terão visto e ouvido de tudo, minhas amigas e meus amigos. São coisas do ofício.