Abrir um sorriso para morrer é contraditório a quê? A quem? Nascemos chorando. Ninguém estará mais à espera de um parto, talvez de um...

A quimera dos anjos

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Abrir um sorriso para morrer é contraditório a quê? A quem? Nascemos chorando. Ninguém estará mais à espera de um parto, talvez de um partir e, provavelmente, a espera maior será a minha. Ninguém passa pela vida sem desejar a morte. Ninguém chega à morte sem querer a vida – por mais que tenha dor. O sofrimento é a purgação de toda alegria. A espera dói e opera. Faz uma ópera desconcertada. O renascimento ocorre no agora. Uma descrente me fez crer melhor.
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W. Blake, 1794
Sendo retratado noutras pessoas enquanto procurava por minha imagem. Dou um Deus por outro. Essa concepção de um Deus que mata é assassina. Olhos nus. Atadas mãos.

Perdi o romance para a pragmática. Necessito da prática mais que da paixão. Nos dias desapaixonados eu vivia mais seco. Agora, me afogo – hei de aprender a nadar. Sou além do que vejo. Somos. Sinto sua falta mesmo estando contigo. Sinto um vazio no momento em que mais deveria me sentir pleno. Disseram-me ser a finitude. A sensação de passagem. As ficções têm um valor maior que a realidade. Mas, a realidade não é relativa?

O cair da tarde é mais real que o cair nos seus braços. Esses “caíres” juntos são a própria realização. Quanto vale a manhã de um coração que mais apanha do que bate? Sou das sombras e elas só existem onde houver luz. Eu já escarrei em bocas que beijei. Apedrejei mãos que me afagaram. Ressuscitei quimeras. Dormi com a ingratidão e acordei com um morcego. Consciente das minhas mazelas, fui só eu. Sou a fera que riscou os fósforos da petulância. Cuspo no meu sexo. O que resta de mim é um eu. Quis ser a gênese das coisas; atingi a unicidade. O singular é tão forte quanto o plural, pois aquele se encontra condensado.

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W. Blake, 1794
A agonia augusta tomou conta de mim. Cuidou e apossou. Tornou-se poça. “Quem foi que viu a minha dor chorando?” Profundissimamente hipocondríaco, prostrei-me diante do tamarindo. Relógios apareceram por toda parte para anunciar o meu desnascimento.

Fugi do Lyceu. Fui ao Rio. Busquei Minas. Paraíba não me quis. Tive o Direito de ser um esqueleto vivo. Professei a língua dos anjos. Minha mágoa é científica. Pratico o reconhecimento diário da minha face plácida que seduz o verme da mais densa terra. O “Eu” se estabeleceu porque, na verdade, constitui-se de um nós fortissimamente marcado. O “Eu” é o eco de nós. Todos serão a putrefata carne um dia. Desejo de deglutir, mastigar, devorar, ingerir, sorver até não sobrar um único átomo. Que fique o fato. De que...

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W. Blake, 1794
Pneumologicamente me abortei. Ser resto de si mesmo dói tanto quanto ser parido em posição horizontal. Perdi o norte, ganhei o sudeste, abandonei o nordeste. E, embora nada me reste, sou um poeta que veste os ossos de um verme. A morte é uma obra-prima. E eu? Uma família póstuma. Gozo o cosmo. O amor eclodiu na sua precariedade. Digo adeus.

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  1. Prosa poética da melhor qualidade. Parabéns, Leo. Francisco Gil Messias.

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