Estive recentemente na casa de meu neto de sete anos em São José do Rio Preto. Descobri que além, de colecionar miniaturas de carros de corrida, está atualmente juntando todo tipo de pedrinhas, principalmente as brilhosas.
A partir dos 8 anos de idade, eu e minha irmã, visitávamos mensalmente meu bisavô Coriolano de Medeiros a quem chamávamos carinhosamente de “padrinho”. Na maioria das vezes íamos sós. Morávamos acerca de 250 metros de sua casa na rua Nova, 177, hoje rua General Osório. No ano seguinte entregou a cada um de nós como herança vinte moedas de prata, a metade delas de 2 mil-réis, cunhadas de 1906 a 1912, pesando 20 gramas, cada uma, e o restante, também moedas de 2 mil-réis, cunhadas entre 1924 e 1934. A partir desse dia tornei-me filatélico e numismata. A filatelia abandonei há bastante tempo, devido à fragilidade dos selos, dificultando seu manuseio. Porém ainda mantenho uma razoável coleção de envelopes com selos de primeiro dia de circulação (first day cover), principalmente, sobre o tema meio ambiente. Desde essa época, influenciado por Coriolano, coleciono cédulas e moedas de inúmeros países, o que foi facilitado pelo fato de eu ter morado mais de um ano na Inglaterra e trabalhado em quase todos os países da América do Sul, da América Central e no México, por mais de dez anos.
Lembro-me ainda, do dia 28 de junho de 1952, já um rapazote com meros oito anos de idade, em uma das visitas que fiz a Coriolano (desta vez fui sozinho), vi em um dos quartos de sua casa um monte de livros novos. Era a edição de seu nuperpublicado e último livro “Sampaio”. Não tive dúvidas, imediatamente pedi a padrinho, um exemplar autografado.
Graças ao incentivo de meu pai autorizando-me a comprar qualquer livro que me interessasse, compensando-me por não me regalar qualquer tipo de mesada, depois de mais de três quartos de século, cheguei à conclusão que havia me tornado um bibliófilo. E o que é um bibliófilo? Não deixa de ser um colecionador - desta vez, de livros.
Existe nas montanhas de Papua, Nova Guiné, o pássaro-caramanchão macho que coleta flores, musgo, frutas vermelhas e alguns itens artificiais e os transforma em um caramanchão para atrair uma parceira. Aí encontra-se outro tipo de colecionador, desta vez por interesse pessoal.
Que significa colecionar? Por definição, é “o processo de adquirir, possuir e descartar de forma ativa, seletiva e apaixonada coisas valiosas, muitas vezes removidas do uso comum e percebidas como parte de um conjunto”. Qualquer dúvida é só perguntar a um psicanalista quais são os motivos inconfessáveis que transforma uma pessoa, em um colecionador. Dizem que Freud possuía mais de 4 mil antiguidades, muitas das quais eram símbolos fálicos. Outros consideram suas atividades como altamente criativas e conhecem toda a origem e a história de seus objetos, de trás para a frente.
A procura emociona o colecionador, e tomar posse do objeto de seu desejo pode ser um momento de pura paixão, às vezes literalmente. Don Juan, com suas mil conquistas somente na Espanha, foi um colecionador arquetípico. Seu terreno de caça era metade da raça humana. Então ele nunca poderia esperar completar o conjunto. A maioria dos colecionadores persegue objetivos menos ambiciosos, querendo apenas adquirir cada primeira edição de um livro raro ou cada denominação de selo, o valor de uma moeda rara, uma obra de arte etc, adorando colocar a última peça no lugar. A mania de colecionar de grande parte dessas pessoas não é motivada por dinheiro, mas pelo fascínio dos próprios objetos.
Quaisquer que sejam os motivos, o colecionismo já existe há muito tempo. O rei Nabucodonosor II da Babilônia manteve estátuas do período dos reinados anteriores que na época já tinham centenas de anos. O Império Romano desenvolveu uma mania por estátuas antigas, pinturas e outros objetos de arte da Grécia, que foram saqueados e levados para a capital para venda aos colecionadores romanos. Durante grande parte da Idade Média, a recolha na Europa era feita principalmente pela Igreja, que mantinha tesouros de artefatos fabricados de ouro, prata e pedras preciosas (para não mencionar alegadas partes de santos). Mas no início da Renascença, os príncipes e nobres da Itália tornaram-se interessados em colecionar arte e curiosidades, e o hábito rapidamente se espalhou para o norte. No início do século XVI, cada governante europeu que se prezasse tinha sua própria câmara de maravilhas repleta de raridades, do mundo animal, vegetal e mineral, bem como de obras de arte.
Coleções de artePnG / Museu de História da Arte (Viena) / Caproni Collection
A maior mudança no mundo do colecionismo na última década foi a chegada da internet, embora a televisão também tenha impulsionado esse hábito. Há um quase infinito número de sites que atendem colecionadores, oferecendo informações, livros e revistas especializadas, avaliações, mecanismos de busca de itens desejados, leilões, serviços de remessa e seguros e muito mais.
Mesmo no lado convencional do comércio, a internet fez uma enorme diferença. A Abbotts, uma casa de leilões no leste da Inglaterra que realiza vendas de obras de arte a cada poucos meses, costumava divulgá-las por meio de anúncios nos jornais, enviando catálogos e telefonando para negociantes. Agora ela coloca seus catálogos na web, completos com fotografias, e descobre que recebe consultas de lugares mais remotos de nosso Planeta.
Os resultados dos leilões também são divulgados na web, por isso é fácil encontrar os preços alcançados em todo o mundo. Isto é útil para colecionadores, mas não necessariamente para revendedores que compram em nome de clientes que encontram seus segredos comerciais expostos. Hoje, muitos negociantes preferem comprar de forma privada para preservar a sua mística. O mesmo tipo de transparência está disponível no eBay, uma das casas de leilões mais famosas do mundo. O eBay vende coisas mundanas, de roupas a carros, mas também tem uma grande seção de “colecionáveis” que oferece muito mais.
Por outro lado, o famoso bibliófilo paulista Rubens Borba de Moraes (1899-1986), grande colecionador de obras raras, conta em seu livro “O bibliófilo aprendiz”, que entre os amantes de livros, há muita gente sovina. Talvez haja no colecionador um instante de posse mais agudo que no comum dos mortais. Talvez, até a bibliofilia seja uma forma de avareza. Entretanto, é uma forma especial: o colecionador apaixonado não dá valor ao dinheiro, mas ao objeto.
Muitas vezes, um livro raro de um autor famoso, tem mais valor quando possui sua assinatura. Existem exemplares raros em primeira edição que, também possuem a assinatura do primeiro comprador. Posteriormente outro colecionador o compra. Moraes descreve em seu livro que possuía um livro raro com a assinatura de seu primeiro dono, datado de 1689. Logo abaixo vem outra assinatura, com data de 1789 e, em seguida, outro nome escrito em 1889. Ele ficava se perguntando se iria viver até 1989 para colocar com emoção seu nome ao pé da lista centenária de seus possuidores. Infelizmente não pode concluir seu desejo. Faleceu em 1986.
E, finalmente um conselho do nosso ilustre bibliófilo Rubens Moraes aos escritores:
[... É uma tradição curiosa, em Portugal e no Brasil, de toda a gente que escreve um livro achar que o governo deve ajudar! Deve ser complexo de inferioridade em país de grande porcentagem de analfabetos. Função do governo não é dar ordenado a quem escreve e edita livros. É manter boas bibliotecas para quem estuda e fazer funcionar este nosso calamitoso correio que leva, até hoje, mais tempo para entregar um livro encomendado no estrangeiro que no tempo de Anchieta ...].
Hoje em dia, não podemos reclamar da agilidade dos Correios. O problema são os custos e a desvalorização de nossa moeda. Além disso, uma obra publicada no original em inglês, por exemplo, custa no mínimo, o dobro do valor do mesmo livro em edição traduzida para português, devido aos elevados impostos do nosso Governo.