Era uma ideia que há muito martelava minha cabeça, ou por outra, um compromisso firmado comigo mesmo, de estender uma viagem que faço, sempre que possível, ao Rio de Janeiro, até a cidade de Leopoldina-MG. Mas sempre arranjava uma desculpa e deixava para depois. Finalmente, em 09 de setembro de 2024, depois de alguns dias de contemplação na cidade maravilhosa e sentir a ebulição do Rock in Rio, encaramos – Salete e eu - a Serra de Petrópolis ou Serra da Estrela, como chamam por lá, possessão do maciço montanhoso da Serra dos Órgãos, em direção a Leopoldina.
Uma viagem bonita, uma paisagem arrojada, de um verde intenso e profundo a envolver a montanha. O perigo ronda, mas não causa temor, encanta. A estrada sinuosa em ascendência contorna as elevações, os picos imensos, as encostas, os precipícios e os vales que a vista alcança. Para onde você se volta só beleza e poesia.
No percurso em ziguezague, surgem aqui e acolá, escoriações nas encostas, marcas da tragédia (enchentes e deslizamentos) que assolou a região em fevereiro de 2022.
Do Rio de Janeiro a Leopoldina não existe avião de carreira; as opções são procurar uma locadora, ou se abancar num ônibus de linha, que parte de hora em hora. Aliás, transportes novos e confortáveis. Como éramos somente eu e Salete, e desconhecíamos a rota, escolhemos o ônibus. Uma viagem agradável e pontual.
Em meio a tanta beleza havia momentos para a meditação. Imaginava como o poeta Augusto dos Anjos, debilitado, corpo frágil e doentio, desprovido de força física, mais a esposa e duas crianças, para arrastar por aqueles caminhos, pedregosos e tortuosos, romper os altos e baixos daqueles montes, as ameaças de animais ferozes, os solavancos dos carros, possivelmente à tração animal - estamos falando do ano 1914, com toda precariedade. Só mesmo a extrema necessidade e o desespero, juntos, fariam o poeta enfrentar a dolorosa travessia. Acho que ali, Augusto dos Anjos, apressou a sua morte.
Depois de cinco horas e alguns minutos, e percorrer, mais ou menos, duzentos e quarenta quilômetros, respiramos o ar de Leopoldina. A ansiedade tomava conta, a perturbação com a incerteza, a expectativa do que iria acontecer. Sabe aquele momento esperado demais da conta, previamente planejado, pensado, de repente, chega à ocasião do desenlace, e você se embaraça. O remédio é parar, respirar fundo, e se possível, repousar um pouco para aliviar a tensão.
O hotel ficava bem no centro da cidade, dava para a praça principal, o que favorecia a locomoção. Logo anoiteceu e saímos para dar uma voltinha, sem compromisso, apenas para sentir o ambiente, e satisfazer a curiosidade. Trata-se de uma cidade de porte médio, bem cuidada, boa iluminação, bonitas praças, bons hotéis e restaurantes, comércio pujante. O relevo é acidentado, como em boa parte das cidades mineiras, tem ruas que se evitam percorrer a pé, outras, nem tanto, a maioria é plana. Leopoldina é rodeada por morros e colinas. Clima agradável.
Mas, o bom mesmo de Leopoldina é o seu povo. É uma gente agradável, atenciosa, sorriso fácil, deixa você à vontade. E quando o visitante é paraibano e admira Augusto dos Anjos, eles se derretem. Augusto dos Anjos, não podia estar em melhor lugar. Eles o tratam como uma pessoa da terra, com uma virtude, não sentem a menor dificuldade de propalar a paraibanidade do poeta. Não há disputa, recebem os paraibanos de braços abertos.
No dia seguinte, logo cedo, depois do café mineiro, e bem informado com a boa conversa da noite anterior, saímos em busca do Museu Espaço dos Anjos, vez em quando, surgia uma dúvida, nada que uma ajudinha não resolvesse. Em instante, ao erguer a cabeça, surgiu de corpo inteiro a fachada do museu, como numa tela de cinema. Como não se emocionar com o impacto. Era como se o poeta estivesse presente, ali, na calçada. A genialidade de Augusto dos Anjos tem dessas coisas, bole, de fato, com os sentimentos das pessoas. Seus poemas, sua vida atribulada, seu modo de ser, têm o poder da sedução. Ninguém, mas ninguém mesmo, lhe é indiferente.
O Museu Espaço dos Anjos foi instalado no mesmo local em que passou os últimos cinco meses de sua vida. É um ambiente pequeno, mas muito bem cuidado e bons colaboradores. De paredes geminadas, portas e janelas. Aliás, têm todos os cômodos e traçados de uma casa comum; ao fundo, em uma porção inclinada do terreno, fica o porão, que serve de depósito de cadeiras e apetrechos para os eventos musicais, teatrais, lançamentos, saraus literários, e para as reuniões da Academia Leopoldinense de Letras e Artes, que ocorrem mensalmente, da qual o poeta é patrono.
Visita do autor ao Museu Espaço dos Anjos, ▪️ Leopoldina (MG) Acervo pessoal
O Espaço dos Anjos é um museu vivo, com eventos e atividades culturais para todos os gostos. No rico acervo se encontra tudo, ou quase tudo, sobre a vida e a obra do poeta imortal. Difícil é deixar o local, arredar o pé de lá; há sempre um documento a mais para conferir, um objeto pessoal para conhecer, uma correspondência para decifrar.
O segundo dia em Leopoldina foi reservado para uma visita sombria. Logo cedo, de táxi, seguimos para o alto do morro, ladeira do Riachuelo, local do cemitério N. S. do Carmo, onde Augusto dos Anjos está sepultado, situado a uma boa distância do centro, um percurso ondulado e montanhoso.
Visita do autor ao Museu Espaço dos Anjos, ▪️ Leopoldina (MG) Acervo pessoal
Da porta principal, um curto corredor escavado no terreno, leva a uns poucos degraus, por onde se alcança o interior do campo santo. A primeira visão é da capela, utilizada também como necrotério, dobra-se à direita e mais alguns passos se depara com o túmulo de Augusto dos Anjos. Bem localizado, no primeiro plano do terreno. É uma bela e emocionante visão. Um tamarindo imponente plantado há algum tempo por um grupo de paraibanos, é o guardião do túmulo. Pessoas do lugar, e não são poucas, consideram o mais famoso e o mais visitado.
Tudo muito limpo, bem conservado. O senhor João, coveiro e dedicado zelador, cuida do túmulo, da capinagem, da árvore e do ambiente em torno. Quando a ocasião é favorável, também entra na conversa.
Concluo este relato com uma opinião:
"Muito bom se todo paraibano, desde que possível, pelo menos uma vez na vida, visitasse Meca, digo, Leopoldina".