Saio do estacionamento na Marechal Deodoro com os olhos entrados no bangalô em frente, um modelo ao gosto de um século atrás, logo que a cidade se estendeu em torno da Lagoa, espraiando-se modernosa entre Jaguaribe e Tambiá. Era a arquitetura do bem-estar da classe média nutrida pelo comércio que prosperava a leste, ladeira abaixo, até acostar ao porto colonial, ou privilegiada pelo status do funcionalismo. Inquilino na Alberto de Brito de Jaguaribe ou nas ruas da Torre, eu entretinha minhas idas e vindas diárias de olho grande nesses castelos encantados. Encantados por ficarem a rés dos meus passos e tão longe do meu emprego!
Um dia, vindo a pé pela Pedro I (sempre a pé, não só por falta de grana como do transporte público restrito ao itinerário do bonde) ouvi da janela de um desses bangalôs soar meu nome. Não Gonzaga, nome colado no do sanfoneiro pela galera do jornal, mas Luiz de Manuel Avelino de Alagoa Nova. Era seu Frederico, exatamente da janela onde meus olhos de agora não mais o alcançam. Mas vejo-o ali e de muitas outras vezes atravessando a praça, não como ginasta da obesidade ou do colesterol alto, mas no passo firme e de quem vestia o melhor para abrir em tempo a repartição.
Fez isto desde os anos 1940, imprimindo na percepção do menino matuto, recém-chegado à rua, a noção formal de governo, do qual meu pai, como moedor de cana para rapadura, tanto se queixava. Não sei que imposto meu pai pagava que servia de desculpa para não termos o sofá e os luxos resmungados lá de dentro sempre que a casa se preparava para receber visitas.
Seu Frederico presidia o que outros só conseguiam chefiar - a coletoria federal, isso no lugar mais municipal do Brasil, onde o mundo entrava apenas por dois receptores de rádio de marca igual e de possuidores mais que diferentes, adversários: o da rua central, do PSD, e o do largo do monumento, da UDN. Adversários, não mais que isto, a honra de ambos respeitada.
Seu Frederico parecia andar acima de tudo isso, mesmo sendo do PSD, partido dos funcionários federais, mal vistos pelos senhores de engenho, a maioria da UDN, lordes no seu linho branco e nos arreios de prata do seu cavalo.
De casa à repartição, no mesmo lado da rua, o senhor coletor pisava esguio e firme, lembrando aquele personagem dos Papéis avulsos de Machado de Assis que parecia levar após si um exército. Com uma diferença em favor do meu conterrâneo: sempre foi acreditado e respeitado. Um respeito amistoso, inclinando a cabeça a cada aceno e sendo por todos correspondido.
Nas conversas de minha mãe, que dava o tom a todos os assuntos de nossa casa, ele era o praciano que sabia entrar e sair, enfim, um homem muito superior ao seu metro e sessenta.