Uma regra pouco conhecida, porque tácita, recomenda que se repitam, antes de cada complemento, as preposições a, com, de, em, para e por, sobretudo. A razão é simples: se a preposição não se repetir, o sentido pode mudar. Ex.: a frase “Maria saiu com João e você também” significa que “você também saiu com João”. Mas na frase “Maria saiu com João e com você também”, o que se quer dizer é que “Maria também saiu com você”.
Às vezes, a omissão da preposição, isto é, o fato de se não repetir a preposição pode resultar no oposto do que se pretendia dizer. No jornal capixaba A Tribuna, de 02.04.2011, p. 47, sob a manchete “Governo líbio recusa oferta de cessar fogo”, lê-se: “O governo dos Estados Unidos reforçou ontem que no final de semana irá parar de disparar mísseis Tomahawk e lançar ataques aéreos contra as forças de Kadafi.” O que a notícia diz é que o governo americano vai parar de disparar mísseis, mas vai lançar ataques aéreos. Repare-se que os dois infinitivos estão coordenados: “irá parar... e lançar...”, o que permite a interpretação de que os Estados Unidos vão lançar ataques aéreos contra Kadafi. Se a preposição se repetisse, a ideia seria outra: “O governo dos Estados Unidos reforçou ontem que no final de semana irá parar de disparar mísseis Tomahawk e de lançar ataques aéreos contra as forças de Kadafi.” Aqui a coordenação se faz entre os termos preposicionados: “...parar de disparar... e de lançar...” Isto é, se a preposição de é repetida, a notícia diz que o governo americano não vai lançar ataques aéreos. Se a preposição não é repetida, a notícia diz que o governo americano vai lançar ataques aéreos. O emprego da preposição é fundamental para a precisão do que se vai dizer.
Atente-se ainda para o fato de que vai parar já é futuro. Dizer irá parar é pôr no futuro o que já estava no futuro. Dá-se a essa redundância particular o nome de hipercaracterização, isto é, a caracterização do que já estava caracterizado. A hipercaracterização é frequente quando o falante esquece a formação da palavra ou da expressão. Em comigo a preposição com se repete, já que comigo se origina do latim cum me cum. Quando digo arrozal ou cafezal, o sufixo é {-al}. Mas em milharal, há a repetição do sufixo: milhal + al dá milharal (por dissimilação, o /l/ da primeira ocorrência do sufixo muda para /r/). Outro exemplo: como meio já significa “ambiente”, a expressão meio ambiente se formou por hipercaracterização. Assim, em lugar de irá parar bastaria dizer vai parar, que já é uma forma de futuro.
Quando traduzi o livro A sombra da serpente, um romance extraordinário do lituano Saulius T.Kondrotas (publicado pela Record em 1994), tive de repetir a preposição a antes dos dois núcleos do objeto direto: “Era o pai. Nunca o ouvi rir, nem a ele nem ao avô” (página 19). A ideia do texto original era de que nem ele (o pai) nem o avô riam. O revisor foi impiedoso em sua incompetência, suprimindo as duas ocorrências da preposição: “Nunca o ouvi rir, nem ele nem o avô”, o que muda completamente o sentido, sobretudo porque o leitor fica sem saber quem é esse “ele”, que deveria ser pronome pleonástico do objeto direto o, referente a “o pai”, mas tornou-se um dos núcleos do sujeito da oração elíptica começada por nem: “Nunca o ouvi rir, nem ele nem o avô (tampouco o ouviram rir).” E o avô passou a ser a pessoa que nunca o ouviu rir, em vez de ser a pessoa que nunca riu.
Tudo isso significa que é uma pena que se tenha extinguido a função dos copidesques. Ou que não se recorra à revisão de um professor de português.