É sempre perigoso registrar fatos passados. Há algo de mítico, mesclado com o que fica às escondidas em nossa alma. Na verdade, é até exótico viver do que foi. Mas, às vezes, não há antídoto contra a saudade.
”Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o bem que podemos ganhar, por medo de perder”.
A partir daí, emergi de um mar de hesitações, para, atraída pela doçura da lembrança, tentar pintar com palavras um momento único. Estava em um parque, entre os muitos que hoje já não existem mais no Rio de Janeiro. Era domingo.
Uma criança linda, sorrindo com seus “dentinhos de coelho” – ainda não tinha um ano
⏤ Chama:
⏤ Ma...mãe.
⏤ Ma...mãe.
– Claro! — Peguei-o no colo. Dei-lhe mil beijos. Mas, agora, ele queria de novo e de novo... andar. Sob o manto de Jesus, aquele menino começara os seus primeiros passos debaixo do abrigo da mais bela e frondosa árvore que ali, então, existia. Uma cena fotografada para sempre, pois as fotos daquele momento perderam-se na fogueira do tempo e da separação que veio pouco depois.
Atraído pela doçura da situação, um senhor aproximou-se, sentou ao meu lado e, educadamente, cumprimentou-me e começou uma conversa aparentemente rotineira.
A certa altura, indagou:
⏤ Qual a razão da sua vida?
⏤ Esse menino é tudo para mim.
⏤ E quando esse menino não mais correr para os seus braços. For homem. O seu amor será o mesmo. Mas, e o dele? Será? — Talvez o perca para outros braços. Sem que nada faças, ele irá ignorar-te. Não te esquecerá. Mas longe... longe estará, mesmo perto. Procura viver a vida. Tens pouco mais de 26 anos.
⏤ Esse menino é tudo para mim.
⏤ E quando esse menino não mais correr para os seus braços. For homem. O seu amor será o mesmo. Mas, e o dele? Será? — Talvez o perca para outros braços. Sem que nada faças, ele irá ignorar-te. Não te esquecerá. Mas longe... longe estará, mesmo perto. Procura viver a vida. Tens pouco mais de 26 anos.
Naquele momento, quis responder-lhe de forma ríspida. Quem lhe dava o direito de quebrar o encantamento daquela hora. — Quem era ele? Como sabia tanto de mim?
Porém, quando tentei responder e virei-me, pois não tirava os olhos do meu menino, já não o encontrei.
Nada descobri daquela criatura, que parecia saber o meu destino. Não sei definir o que houve. Apenas asseguro que está no limbo do meu existir.
Enquanto isso, lembro do recado daquele senhor. Assim, teci páginas e páginas de dedicação integral àquele menino, hoje já papai, ao trabalho para dele cuidar e da minha família. São lindas, douradas páginas. Algumas por ele, depois, questionadas. O que importa é que não escrevi nada só meu.
Deixei as minhas páginas em branco. Sempre para depois. Esse foi meu erro (um deles, o outro – principal, o trabalhar demais). Não há volta, porém.
Nunca há.