POEMAS DO LIVRO “SONETOS EM CRISE”
(Editora Mondrongo – 2019)
(Editora Mondrongo – 2019)
ERA UMA VEZ A UTOPIA
Para Renato Suttana Será possível conservar acasos, ruas sem rumo e pastos sem cerca? As cortinas não expõem a tristeza, o crepitar, o tremor, o espasmo? Deixem que os mortos testemunhem a dor, o vibrar ensurdecedor - silêncio, cada tambor reverberando o ócio dos que violam o que do amor restou. Nada, nada expressa a réstia da sobra, nem o destemor, nem mesmo a soberba, do que pensa ser e se vê manobra. Ser sem pressa, talvez o que perceba é a falsa promessa da pira acesa neste átrio da catedral deserta.
Para Renato Suttana Será possível conservar acasos, ruas sem rumo e pastos sem cerca? As cortinas não expõem a tristeza, o crepitar, o tremor, o espasmo? Deixem que os mortos testemunhem a dor, o vibrar ensurdecedor - silêncio, cada tambor reverberando o ócio dos que violam o que do amor restou. Nada, nada expressa a réstia da sobra, nem o destemor, nem mesmo a soberba, do que pensa ser e se vê manobra. Ser sem pressa, talvez o que perceba é a falsa promessa da pira acesa neste átrio da catedral deserta.
O SONHO DE GLÓRIA
Para Francisco Aurélio Um cavalete e a pele no vazio não se pertencem e, sós, permanecem despidos; são cúmplices, e este frio é a sentença que antecede a prece. Mártires são todos, e a indiferença é o nome do tempo que apaga a glória, não a surpresa, a fome ou a querença, mas o vulto que desafia - a história. Perene crosta a recobrir rochedos, sutil tristeza neste tempo imenso, preenche o vasto com fútil desejo; tornar-se luz, inabalável, penso na tela alva a cruz, o traço perfeito, na corda rota, o criador do harpejo.
Para Francisco Aurélio Um cavalete e a pele no vazio não se pertencem e, sós, permanecem despidos; são cúmplices, e este frio é a sentença que antecede a prece. Mártires são todos, e a indiferença é o nome do tempo que apaga a glória, não a surpresa, a fome ou a querença, mas o vulto que desafia - a história. Perene crosta a recobrir rochedos, sutil tristeza neste tempo imenso, preenche o vasto com fútil desejo; tornar-se luz, inabalável, penso na tela alva a cruz, o traço perfeito, na corda rota, o criador do harpejo.
DIÁLOGO ENTRE POETAS
Para José Augusto Carvalho Será acaso Dante este estampido, estreia derradeira de um sonho, derramado nos campos, perseguido, aquém dos portais do divino antanho? E agora, José, se nem mesmo a valsa de um azul Danúbio - já assaz retinto - reafirma os laços, nos salões e praças, onde sombras passam de olhar soturno? Se o Inferno à Terra já não traz sentido, e a surpresa empresta o poder ao tédio, resta à indiferença polvilhar o olvido. A pedra que brilha ofuscou o concreto, e a palavra Má-qui-na perdeu fascínio. Sair de Minas, do Mundo, assim, perdido?
Para José Augusto Carvalho Será acaso Dante este estampido, estreia derradeira de um sonho, derramado nos campos, perseguido, aquém dos portais do divino antanho? E agora, José, se nem mesmo a valsa de um azul Danúbio - já assaz retinto - reafirma os laços, nos salões e praças, onde sombras passam de olhar soturno? Se o Inferno à Terra já não traz sentido, e a surpresa empresta o poder ao tédio, resta à indiferença polvilhar o olvido. A pedra que brilha ofuscou o concreto, e a palavra Má-qui-na perdeu fascínio. Sair de Minas, do Mundo, assim, perdido?
SOBRE CASAS E PAIXÕES
Para Oscar Gama Filho casas têm segredos, todas têm, e não é por medo que silenciam. Suspenso, nas ranhuras, o desdém das paredes ante à paralisia de atores ausentes, sempre despidos, carentes de desejos, de paixões. E as casas, sempre lá, ao pé do ouvido, propondo encontros, vultos, revoluções. Cada verdade tola, cada cheiro, desperdício, faz ponderar a casa: uma mudança... Mas só engodo surge, de novo o vício do estalo das palavras, vis lembranças, que nos cantos da casa, feito lixo do não mais viril, mas da vingança.
Para Oscar Gama Filho casas têm segredos, todas têm, e não é por medo que silenciam. Suspenso, nas ranhuras, o desdém das paredes ante à paralisia de atores ausentes, sempre despidos, carentes de desejos, de paixões. E as casas, sempre lá, ao pé do ouvido, propondo encontros, vultos, revoluções. Cada verdade tola, cada cheiro, desperdício, faz ponderar a casa: uma mudança... Mas só engodo surge, de novo o vício do estalo das palavras, vis lembranças, que nos cantos da casa, feito lixo do não mais viril, mas da vingança.
LONGE
Longe é o acaso que se persegue, por exemplo: a beleza, futilidade se despida, sem a humanidade. Longe é o tropeço do que nega a morte. Quieta, longe, o que nos penetra, a arte, distante léguas, sob o olhar das águias, emoldurada, posta à venda, jaz, com outro nome, propósito, cilada. Longe, esta paixão luzidia, risco de tornar-se mais bruma a distorcer a fugidia luz que se ressente, tez nua de mediocridade, e fria no dorso da pele, na rua.
Longe é o acaso que se persegue, por exemplo: a beleza, futilidade se despida, sem a humanidade. Longe é o tropeço do que nega a morte. Quieta, longe, o que nos penetra, a arte, distante léguas, sob o olhar das águias, emoldurada, posta à venda, jaz, com outro nome, propósito, cilada. Longe, esta paixão luzidia, risco de tornar-se mais bruma a distorcer a fugidia luz que se ressente, tez nua de mediocridade, e fria no dorso da pele, na rua.
VAIDADE
“Meu olhar desliza no horizonte, querendo saber
a que distância um nome deixa de doer.” (Secchin)
Recordo mais, já não posso
dizer do que sou, sem ser presa
da maldade fria, verdade
nua e crua, cartas na mesa.
A mandrágora me desperta,
sou o diabo, denso, soberbo,
rijo como a verdade tesa,
droga que ilude e me abate.
Sou o que sou, sóbrio e andejo
sob os faróis da soberba
que me late e também aceita
ser o todo, um total ultraje
ao que me cabe como presa
do que me faz vida, a vaidade.a que distância um nome deixa de doer.” (Secchin)
ABORTO
Quando meu pai se debruçou sobre mim, eu estava sendo o novo, o engate do elo, sopro no fole da vida, um alento. Quando sustive sua cabeça, ele já partia no olhar aberto, sopesando minha indistinta figura baça. Parceiro do inominado, da chegada... não guardo rastro e do antes não me recordo e se perguntar já não posso, resta o amor distendido, penso, cordão de um quase aborto ao vento.
Quando meu pai se debruçou sobre mim, eu estava sendo o novo, o engate do elo, sopro no fole da vida, um alento. Quando sustive sua cabeça, ele já partia no olhar aberto, sopesando minha indistinta figura baça. Parceiro do inominado, da chegada... não guardo rastro e do antes não me recordo e se perguntar já não posso, resta o amor distendido, penso, cordão de um quase aborto ao vento.
▪ Leia resenha do escritor, pesquisador e crítico literário Krishnamurti Góes dos Anjos sobre os poemas do livro Sonetos em crise neste link.