O anacoluto é a interrupção brusca de uma frase inicial a que se segue outra à qual aqu...

O anacoluto

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O anacoluto é a interrupção brusca de uma frase inicial a que se segue outra à qual aquela não se integra. Por exemplo: “O presidente, eleito só por causa da moeda forte, os professores das Universidades Federais sabiam que dele não podiam esperar apoio.” O início do período não tem conexão com o resto, sintaticamente.

A frase inicial, não completada, na anacolutia, pode reduzir-se a uma única palavra (“Eu pareceu-me que ele tinha razão.”), ou pode estender-se a uma oração inteira (“Quem acha a caça não é desgraça.”), e nem sempre a nova frase que a interrompe mantém sua integridade sintática (“Quem ama o feio bonito lhe parece.”)

Muitos provérbios apresentam anacolutos: Quem mais alto sobe maior é a queda. Quem não reza, Deus é xingado. Quem mata gato, são sete anos de atraso. Quem muito vê, um olho basta. Cavalo dado não se olha (sic) os dentes. Etc.

O soneto “A Antônio Nobre”, do livro A cinza das horas, de Manuel Bandeira (Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Record. 1998, p. 44), começa com um belo e longo anacoluto: “Tu que penaste tanto e em cujo canto / Há a ingenuidade santa do menino; / Que amaste os choupos, o dobrar do sino, / E cujo pranto faz correr o pranto: // Com que magoado olhar, magoado espanto / Revejo em teu destino o meu destino!”

Epiphanio Dias (Syntaxe clássica portuguesa. 5.ed. Lisboa: Clássica, 1970, p. 334-6) estabelece quatro tipos de anacoluto que consistem em: l. pôr no princípio sem ligação com o resto a designação do objeto a respeito do qual se faz uma afirmação: “As outras, que as asas do anjo Asrael se estendam sobre os seus cadáveres” (Herculano); 2. repetir o princípio de uma frase que é interrompida por uma parentética ou por encaixes largos de subordinadas: “É possível (dizia Ezequias, quando o profeta o avisou para morrer), é possível que...” (Vieira); 3. repetir a conjunção que ou se mesmo sem intercalação de orações: “... devemos catar se este que apelou se he demandador se demandado” (Herculano); 4. principiar uma subordinada com que e terminá-la com infinitivo: “... ssem rrazom pareçe que aquel que he atormentado dar-lhi homem outro tormento” (Lei de D. Afonso II).

Há ainda a aposiopese, que consiste em suspender um pensamento por meio de uma quebra da estrutura sintática. A aposiopese, mais frequente na oralidade, é assinalada na escrita por reticências. Ex: “Você poderia... Bem, acho melhor que você mesmo decida.” “Aquela moça que você conhece... Você sabe que... Cala-te, boca!”

O anacoluto em si não é condenável. Condenável é usá-lo sem saber explorar-lhe os recursos de expressividade artística ou emocional. Veja-se o belo efeito que Manuel Bandeira conseguiu no primeiro terceto do seu soneto “A aranha”: “Eu que era branca e linda __ eis-me medonha e escura.” (BANDEIRA, Manuel, O.c. p.50).

Às vezes o bom nome de um escritor leva o estudioso a malabarismos de argumentação para tentar fazer-nos entender como arte o que não passa de um tropeço sintático ou de um cochilo, como neste exemplo de Alexandre Herculano: “Assentada nas margens do Chetawir, grande número de embarcações subiam e desciam o rio.” O que houve nessa sintaxe truncada foi basicamente a omissão pura e simples do nome da cidade de Alcácer, que deveria ser o sujeito da oração reduzida de particípio.

Melhor que tentar tirar sangue de pedra é talvez fazer como Horácio, que confessava em sua Arte Poética que se indignava toda vez que o bom Homero cochilava: “Indignor quando que bonus dormitat Homerus.” Aliás, nem devemos indignar-nos diante dos cochilos dos nossos bons escritores. Basta-nos ser sinceros, e aceitar o erro como próprio da natureza humana. Os gênios também erram. Até Homero.

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