“Como foi bom te ver...” Operava-se nesta exclamação um milagre de supermercado, abelheiro em que nem sempre as vistas se dispõem a s...

No supermercado

cartorio souto jose carneiro
“Como foi bom te ver...”

Operava-se nesta exclamação um milagre de supermercado, abelheiro em que nem sempre as vistas se dispõem a sair da lista de compras ou do chamariz das gôndolas.

Mas há ocasiões em que os carrinhos de coleta se engancham e fazem, assim, as pessoas se acharem e se darem em sentimentos.

“Há quanto tempo eu desejo te ver. Sou filha de um seu grande amigo, parceiro dos bons tempos do cartório de Chico Souto...”

E eis-me levado de repente a uma das estações mais benfazejas deste meu longo trajeto de gratas companhias. Do melhor que pude fazer na vida, centrada nisto, acordado ou dormindo.

Não me pejo em recordar os dias ansiosos como tentei me introduzir no Ponto de Cem Réis, assim que cheguei. Falava e cumprimentava sem conhecer ninguém, temendo a cara de penetra mas querendo ser, marcar presença, mesmo percebendo a reação de muda estranheza: “De onde vem esse?” Entrava na roda com um “tudo bem?” que só com o tempo foi obtendo resposta e ganhando significado.

E entre esses, ressurgido ali entre apressados fregueses, lá veio o amigo de quem a bela e simpática filha recolhera a lembrança de meu nome:

“...sou filha de Carneiro, um dos que ajudaram a afundar as poltronas do senadinho de Chico Souto”. Rimos e curtimos por um instante esta boa lembrança para lá do século passado.

José Dantas Carneiro, um dos homens mais educados, para não dizer afáveis, que tive a sorte de contar entre minhas camaradagens. Afável sem deixar de ser corajoso, pois abriu-me cadastro no banco que gerenciava, o antigo Banco do Povo, ferro de engomar da Barão do Triunfo com a Gama e Melo, na descida para o Varadouro. Cadastro passível de registro, meu pobre nome com endereço na Maroquinha Ramos e renda colhida na folha de extranumerários de A UNIÃO. Amizade que antecedeu a de Chico, que só veio aparecer como o deputado de Esperança em 1958.

Era o tempo em que os bancos valiam pelo prestígio dos nomes que os gerenciavam: David Trindade no Banco do Brasil, Carneiro no Banco do Povo, Edmundo no Indústria e Comércio dos Ribeiros, João Jardelino no Industrial de Campina Grande. Nomes que valorizavam nossos acenos e convivências.

A menção na conversa a D. Cecília, viúva de Chico, avivou com nitidez o instante em que soou pelo rádio a cassação do marido, em 1968, encontrando-nos sentados num tronco de coqueiro ao pôr do sol de Camboinha. Naquela hora turva o começar-de-novo não teve outro amparo senão a serena firmeza inspirada por D. Cecília, uma descendente próxima dos Sobreiras que tiveram em coronel Elísio um dos homens fortes do presidente João Pessoa.

Tudo isto por entre outros e bem diferentes milhares de itens expostos no supermercado. Engana-se quem julga que “recordar é viver” é coisa surrada.

*Publicado originalmente no jornal A União

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