O causo se deu num desses vilarejos com mania de cidade e o relato chegou a mim não me lembro mais por boca de quem. Isto dito, que fiq...

Manequinho e o candidato

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O causo se deu num desses vilarejos com mania de cidade e o relato chegou a mim não me lembro mais por boca de quem. Isto dito, que fique claro que o que virá linhas seguintes não é fruto de minha lavra. Só fiz adaptar o que ouvi e dimensionar o texto no devido tamanho que me exige este nosso respeitável noticioso. Então, ao causo.

Ribeirão do Bagre é o nome da localidade. Lá um caudaloso curso d’água (vulgo rio) divide esse nosso povoamento em duas partes: a Vila de Baixo; e a outra — como não podia deixar de ser —
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a Vila de Cima. Para ir de uma para outra ou da outra para a uma, não havia ponte, apenas uma pinguela. Sabem o que vem a ser uma pinguela? Um arremedo improvisado de ponte, um tronco de árvore que vai de uma margem à outra. Em alguns casos, num dos lados, pode haver uma gambiarra fazendo as vezes de corrimão. Apenas isso.

Comecemos por duas paixões que dividiam nosso vilarejo. Na Vila de Cima estava a sede do glorioso Liverpool Football Club, o esquadrão do escol, da elite. Já na Vila de Baixo, o time era o Jangadinha Esportes Atléticos, paixão dos menos abonados e dos mais um pouco abaixo na escala social.

Quando se enfrentavam, e isso ocorria pelo menos duas vezes ao ano, a cidadezinha praticamente parava. Quando o Liverpool mandava o jogo, era a torcida do Jangadinha que atravessava a pinguela para assistir a contenda. Já no mando do Jangadinha, era o torcida do Liver (era assim que o chamavam) que fazia o malabarismo da travessia. Acontece que num desses dias de confronto entre essas duas equipes, um menino de 10 anos, torcedor do Jangadinha, caiu da pinguela e foram encontrar o corpo do infeliz a duas léguas corredeira abaixo.

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Construir uma ponte passou a ser a grande demanda daquela localidade. Vieram as eleições. Durvalino, candidato da oposição, num debate na praça da Matriz, acusou Medeiros, o prefeito em exercício, de crime culposo pela morte do garoto. E mais, se vencesse as eleições, sua primeira obra seria construir a ponte. Com essa plataforma de campanha não deu outra, Durvalino venceu com folga.

Passou um ano, passou outro, mais um e nada da ponte. Manequinho, presidente vitalício do Jangadinha. se invocou. “Vou falar com aquele safado”, pensou. E juntou o ato às palavras. Foi.

Quatro da manhã já estava ele sentado na escada que dava para a porta da prefeitura. Ali ficou. Quando começou o expediente, chega o prefeito e vê um cidadão acocorado, com cara de poucos amigos. Vai até ele.

⏤ Bom dia, meu senhor. Está esperando alguém? – Manequinho não o reconheceu.

⏤ Tô esperando aquele fdp do prefeito.

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⏤ Mas por que o senhor está bravo com o prefeito?

⏤ Porque aquele @$%@&* prometeu fazer uma ponte e a pinguela tá lá até hoje. Qualquer dia morre outra criança. Esse prefeito é um mentiroso.. Só quero ver o que ele vai dizer pra mim. Se não quiser cumprir o prometido vou falar poucas e boas, vou chamar ele de #4@*&&%$, de *&%$# e ainda vou dizer que ele é corno.

Durvalino entrou, chamou a secretária e já foi ordenando:

⏤ Quero atender primeiro aquele cidadão que está sentado lá na entrada.

Quando entrou no gabinete e viu quem era o prefeito, Manequinho ficou gelado. Como não o reconhecera? E agora? “Que seja o que Deus quiser”, pensou ele. Entrou todo respeitoso, tirou o chapéu e o segurou com as duas mãos para trás. Inclinou a cabeça todo submisso.

⏤ O que o senhor deseja? – perguntou o alcaide.

⏤ É que antes da eleição o senhor prometeu fazer uma ponte no lugar da pinguela e até hoje nada. Quero saber como fica.

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O prefeito olhou para Manequinho: lá fora um leão, agora não mais do que um porquinho da índia. Cheio dos medos.

⏤ Meu amigo. A pinguela está ótima lá. A prefeitura não vai gastar dinheiro com coisa que não vale a pena. Mas me diz uma coisa: Estou pensando em não fazer aquela ponte. E aí como é que fica? – e pensou: ”Como ele vai sair dessa. Quero ver se esse caboclo é corajoso, se vai repetir o que me disse lá fora”.

Mas Manequinho respondeu ligeiro.

⏤ Aí fica conforme “nóis” já “cumbinemo” antes d’eu “entrá”.

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  1. Deliciosa estória, retrato do Brasil. Parabéns, Paiva. Francisco Gil Messias.

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