Há dois substantivos compostos na linguagem do futebol que aparentemente não seguem um mesmo tipo de formação: lateral-direito e pon...

Lateral-esquerdo, ponta-direita

linguistica semantica
Há dois substantivos compostos na linguagem do futebol que aparentemente não seguem um mesmo tipo de formação: lateral-direito e ponta-esquerda.

Por que se diz lateral-direito, com o adjetivo formador no masculino, e ponta-esquerda, com o adjetivo no feminino, se lateral é também um substantivo feminino, como ponta? Quanto ao gênero, ambos os substantivos compostos são masculinos, mas o que causa estranheza é que é raro ouvir alguém dizer lateral-direita, apesar de se dizer exclusivamente ponta-esquerda, e nunca ponta-esquerdo.

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Manjur Alom
Três são as causas externas das mudanças que uma língua sofre no decorrer do tempo: a área geográfica, o meio social e o próprio falante. Há causas psicológicas que influem no falante e favorecem a mudança linguística, como as criações analógicas, por exemplo, e os cruzamentos sintáticos ou semânticos.

Como exemplo de cruzamento sintático, costuma-se citar a regência do verbo esquecer: do ponto de vista normativo, o verbo esquecer admite a preposição de, se estiver acompanhado do pronome reflexivo, como em “Ele se esqueceu do livro”. Suprimindo-se o pronome, a preposição também é suprimida: “Ele esqueceu o livro”. Das duas construções resultou uma terceira, por “cruzamento” sintático, ainda condenada pelos gramáticos: “Ele esqueceu do livro”. A rigor, portanto, o título de um certo filme humorístico, estrelado por um menino, deveria ser Esqueceram-me ou Esqueceram-se de mim, e não Esqueceram de mim.

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Celyn Kang
Othon Garcia, no seu livro já clássico Comunicação em prosa moderna, pioneiro no Brasil em Análise do Discurso, apresenta um exemplo de contaminação sintática, em função da qual, de duas correlações, “não só... mas também” e “não tanto... quanto”, surgiu uma terceira, igualmente condenada pelos gramáticos: “não tanto... mas também” (Othon M. Garcia. Comunicação em prosa moderna. 1.ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1967. p.27capítulo 2.)

No caso de lateral-direito, o que ocorreu foi, parece-me, uma contaminação de natureza semântica.

Um exemplo de contaminação semântica é a expressão dar baixa na enfermaria que determina a internação do paciente, a quem se dá alta quando sai do hospital. Na verdade, ter alta, na linguagem médica, se origina da ordem militar alto,
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Hilal Bülbül
do alemão halten, que significa “pare”. Por oposição a ter alta no hospital está o dar baixa. Foi da contaminação semântica da ordem militar de parar a marcha, estendida à ordem médica de parar o tratamento, que resultou um contrassenso: dar baixa no hospital, com o sentido de “entrar”, opondo-se a dar baixa no exército, com o sentido de “sair”. A expressão dar baixa no hospital se formou posteriormente na língua por analogia com alta, de origem alemã (halten), na ignorância do significado original, por confusão com a forma vernácula, alta, de origem latina.

É por contaminação semântica ou cruzamento semântico que se diz lateral-direito (masc.), ao lado de ponta-esquerda (fem.). Lateral é feminino quando se refere ao lado do campo, mas é masculino quando se refere à saída da bola pelo lado do campo e ao consequente lançamento manual da bola de volta ao jogo. A confusão de gêneros levou à adoção do masculino direito para o substantivo lateral-direito, reforçada pelo fato de ser masculino também o jogador. Ponta-esquerda não sofreu o mesmo processo porque não existe, à diferença de lateral, o nome ponta, masculino, na metalinguagem futebolística.

Acho que essa é uma boa explicação, à falta de outra melhor

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