Ele vai mais uma vez ao laboratório fazer exame de sangue. Com a idade, esse procedimento tem se tornado ro...

Exame de sangue

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Ele vai mais uma vez ao laboratório fazer exame de sangue. Com a idade, esse procedimento tem se tornado rotineiro. Entra e permanece em pé, embora haja cadeiras vazias. Vazias mas excessivamente contíguas, o que contraria o distanciamento indicado em locais como esse.

Enquanto espera a sua vez, estende o olhar em volta. A maioria dos clientes é de meia idade. Quando se chega a esse estágio da vida é preciso monitorar como andam os triglicerídeos, a ureia, o colesterol e outras substâncias cujo aumento ou diminuição indica se a saúde está em risco. Aos homens interessa sobretudo o PSA, que parece sigla de partido político mas é na verdade um índice que sinaliza o temido câncer de próstata.

Não é agradável estar naquela sala, enfrentar burocracia e ainda ser espetado por uma agulha – mas graças a isso hoje se vive mais. O que não significa viver bem, é claro, mas a correta indicação do que em nosso organismo falta, ou sobra, concorre para que vivamos um pouco melhor. Se não existe elixir da juventude, que pelo menos se retire o lixo orgânico que pode antecipar a morte.

A atendente o chama, pede-lhe as requisições (o médico passou várias, deve ter percebido algum desequilíbrio no seu estado geral) e a carteira do plano de saúde. É uma mulher bonita, ainda nova, diante de quem responde com certa vergonha às perguntas sobre os medicamentos que toma e a dieta que fez na noite anterior. Confirma o jejum de doze horas. Ela retribui com um sorriso de aprovação, como a professora que parabeniza o aluno por ter feito o dever de casa.

Tudo certo com a burocracia e com as suas condições para o exame. Enquanto aguarda o momento da coleta, ele não consegue evitar algumas desagradáveis cogitações. Estarão as taxas dentro da normalidade? E se uma delas, ou mais de uma, acusar um excesso condenável e ameaçador? De repente lhe bate o remorso por nem sempre ficar atento ao que recomendam os médicos. Não é raro se exceder em bolos ou biscoitos, por exemplo. E raras vezes se dispõe a dar as caminhadas de 30 ou 40 minutos que os cardiologistas lhe prescrevem para ajudar na queima do colesterol. Talvez o resultado dos exames revele a imprudência de tal descaso.

Uma senhora de branco, papeleta na mão, interrompe esses pensamentos negativos chamando o seu nome. Faz com que sente numa cadeira enorme e lhe pede que feche a mão esquerda. No limite entre o braço e o antebraço ele vê saltar a pequena veia, que a mulher apalpa com um carinho técnico, medindo se pode enfiar ali a agulha. Pouco depois acompanha o líquido vermelho encher uma, duas, três seringas. A cor é vívida e, pela aparência, não sugere que haja alguma coisa errada – mas que sabe ele dos mistérios do nosso organismo? O que lhe parece sadio no líquido escarlate pode disfarçar o excesso de ácidos graxos, albumina ou mau colesterol (sim, também nesse domínio vivenciamos o combate entre o bem e o mal).

Na saída, vê que tem mais gente na sala de espera. Tenta atravessá-la rápido. Nota que em uma das cadeiras está sentado um velho conhecido que, segundo lhe disseram, passa por um problema grave de saúde. Faz-lhe um aceno, que o outro retribui sem entusiasmo e logo vira o rosto. Tem um ar cansado, talvez pela frequência com que está vindo ali.

Enfim entra no carro, com o sentimento de haver cumprido uma obrigação. Ou feito o dever de casa. Agora é esperar, apreensivo, o resultado. Seja qual for, será menos ruim do que ser surpreendido por um mal irreversível que um exame de rotina pode evitar. Para isso vale a pena dar o sangue.

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  1. Uma crônica que Drummond assinaria, Chico. Bravo! Francisco Gil Messias.

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