Qual a praça, a rua, o parque, a vista, o horizonte que mais me toca nesta cidade inteiramente outra em relação à vila real que me ...

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Qual a praça, a rua, o parque, a vista, o horizonte que mais me toca nesta cidade inteiramente outra em relação à vila real que me acolheu em meados do século passado? Vila na visão bairrista da cidade de onde saí, orgulhosa do seu comércio e da imponência de quase todas as estatísticas anteriores a 1970.

Não é fácil. Uma das ruas entre as centenas desabitadas da capital paraibana, a João Suassuna, já foi a que mais me seduziu e animou, não só por ela, pela sua história, como pelo que vinha do poente derramado nas águas crepusculares do Sanhauá, eu indo com elas debruçado numa janela de esquina onde dividia o quarto com o poeta Luiz Correia.

Havia a cidade vista do bonde, que era um postal de frontais sombreados como os de Tambiá ou de verde vale nutrido pelo Jaguaribe, mas era na Torre, mais sítio do que casa, onde me sentia melhor. A praça Padre Dehon, batizada de Tiradentes, que Ricardo Coutinho restaurou, era o único lugar que me permitia conciliar o romantismo do leitor iniciante com a incerteza do chão que eu pisava. Meu e de Onildo, colega de Liceu e pai de Jairo e Sílvio Osias, eu mais rasteiro, Onildo rastreando estrelas com seu pequeno telescópio.

O mar, para mim, nunca passou de água salgada. Maresia não é bem meu cheiro. Nunca troquei os sítios que o pessoense alinhou em torno da Lagoa, nos canteiros de rua, nas praças e quintais, por toda a orla super-urbanizada ou não. Meu pouso ficava e ainda fica entre a Torre, de que Expedicionários é uma extensão, e o Varadouro, a primeira violentada pelas pistas sempre congestionadas de motores, um empurrando o outro; o Varadouro, morrendo em ruas inteiras, tendo a salvá-lo apenas a vitalidade da Maciel Pinheiro e a Rodoviária que Ivan Bichara fez questão de construir fazendo companhia à Estação Ferroviária.

A pretexto de passar pelo Teatro Santa Rosa, última e talvez única joia do Império que não foi adulterada, estou indo a pé, fim de tarde, pela Cardoso Vieira, rua de antigas lojas, escritórios e sobretudo amizades que a nova faixa exclusiva dos ônibus acabou de selar as portas. Sem fôlego (o fumo legou-me essa herança sem fim), não tive onde achar assento, medroso das companhias da praça Pedro Américo. E me escorei sob a marquise em ruínas de Horácio Tavares, a fachada já com outro letreiro, também descaído, arriado.

Estarei pior do que a rua? – pergunto-me, o sol de outubro ainda abrasando o pouco de ar que me é dado aspirar. Rua morta. O viaduto arrasou, acabou com ela, sem faixa de estacionamento para automóvel, condição primeira para viabilizar qualquer comércio.

Ia dizendo “morta como o seu patrono”, mas refleti em tempo. Cardoso Vieira se mantém escrito, seja no pequeno Dicionário Biográfico de José Leal, na dedicação biográfica de Eduardo Martins ou nos capítulos que a história do Brasil é forçada a dedicar à luta pela abolição da escravatura. O que está escrito, por mais que se apague no tempo ou no abandono, é para a vida toda e mais alguma coisa. Tire-se pela ansiedade milenar com que a ciência tenta decifrar a manifestação humana rasgada na pedra de Ingá. O bicho homem de cinco ou seis mil anos atrás continua nos querendo dizer alguma coisa. Está escrito.

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