Esperança é uma simpática cidade de 31 mil habitantes no agreste paraibano, situada mais ou menos a meio caminho entre Campina Grande e Areia.
Emancipada de Alagoa Nova em 1925, comemorará seu Centenário institucional no próximo ano, muito embora haja uma longa história antes dessa data, com povos Cariri e tropeiros e outros personagens que fizeram sua história cruzando a antiga localidade de Bananuiê, cujo significado aproximado em tupi poderia ser “brejo das borboletas”. Também costuma ser chamada de “lírio verde da Borborema”, como forma de exaltar suas belezas naturais.
Nessa região radicou-se a família Henriques Virgolino, que durante muitas gerações viveu e participou a vida esperancense. Joaquim Virgolino da Silva foi Prefeito Municipal por duas vezes, nos anos 40 e 50. Sua esposa, Maria Emília de Christo da Silva foi Professora durante décadas na cidade. Sua filha mais velha, Maria Violeta, era a minha mãe. Durante toda a infância ali viveu e, anos depois, já morando em João Pessoa, recordava emocionada as memórias de infância e juventude em Esperança. Algumas de suas tias, em festas familiares, falavam animadas de tempos que remontavam aos anos 10 e 20 e seguiam além pelo século XX. Algumas dessas histórias ficaram registradas em crônicas que a minha mãe publicou em jornais paraibanos nos anos 90, constando algumas reminiscências locais e as saudades desses tempos. Passadas mais de quatro décadas, após o falecimento do meu avô e dos de sua geração, praticamente todos os descendentes deixaram Esperança e poucos parentes da antiga e numerosa família ali residem.
De forma mais pessoal, meu contato — limitado à primeira infância e algumas poucas vezes nas quais fui lá depois, visitar Tia Rosa Henriques, uma mulher muito valorosa e que fazia uns sequilhos para nunca esquecer (rsrsrs) — é muito escasso e as lembranças fugidias. Mas a história dá voltas.
Eis que uns 50 anos depois desse distanciamento da cidade das lembranças de mamãe, hoje estive lá para participar de um projeto que considero da maior relevância, o BINGO - Esperança no Espaço, que consiste na convergência de dois projetos que começaram separados e se encontraram numa espécie de alinhamento planetário.
Logotipo do projeto Esperança no Espaço, detalhe em Telescópio feito por Fabiano, reeducando da Cadeia Pública de Esperança-PB.
De um lado, o possante Rádiotelescópio BINGO (anagrama de Baryon Acoustic Oscillations from Integrated Neutron Gas Observations), em processo de construção na cidade paraibana de Aguiar. Será um grande acontecimento científico na pesquisa astronômica em plano internacional, envolvendo diversas universidades brasileiras e de outros países, tendo entre um de seus coordenadores o Professor Amílcar Queiroz, da UFCG. Envolve algo para o leigo difícil de imaginar como a investigação da quase insondável energia escura do espaço.De outro, um projeto de ressocialização de apenados da Cadeia Pública de Esperança, que liderados pelo seu Diretor, Berg Lima, começaram a produzir telescópios e estudar astronomia e, nesse processo de reeducação, as pessoas que por decisão judicial estão confinadas a um espaço penal restrito, pela arte da ciência estão com os olhos abertos para os confins do espaço sem limites. Esse contato com o cosmo traz uma dimensão humana que tem sido fundamental no sucesso da ressocialização, um desafio da maior relevância para nossa sociedade.
Diante desse “alinhamento astral”, a Secretaria Estadual da Ciência, Tecnologia, Inovação e Ensino Superior criou uma equipe interdisciplinar, que fará uma conexão entre os dois projetos, contemplando suas dimensões mais estritamente científicas até as propriamente sociais e culturais, numa aventura que reputo empolgante. Como historiador, não podia me furtar à honra do convite para participar dessa bela empreitada. Como filho de uma esperancense, não poderia deixar escapar dessa “conjunção planetária”.
Nesse dia 07 de outubro rumamos cedinho para Esperança. Tivemos uma intensa programação, com uma equipe bastante motivada e pudemos acompanhar os detalhes do Esperança no Espaço, interagir com os rapazes envolvidos no projeto. Entre eles: Anthony Rammos, um jovem empolgado pela astronomia e pela literatura, com um livro publicado e outros escritos em andamento; Fabiano, que além de telescópios, fabrica redes de pesca e domina outras artes que nos apresentou; ou ainda J. Duarte, que me mostrou seus poemas e pretende tornar-se cordelista de primeira. Não se trata aqui — conforme uma visão mesquinha tão em voga nos dias bicudos vigentes —, de "dar regalias" a pessoas que transgrediram a lei. Afinal, elas estão privadas do bem da liberdade (tanto é que estou nesse momento na comodidade da minha casa escrevendo esse texto e eles estão privados desse direito), mas de dar oportunidades para que, depois de cumprirem suas penas, tenham possibilidades de uma nova inserção na sociedade. A ciência pode ser um caminho para isso. A ciência pode andar junta com a justiça e com a felicidade.
O projeto só começou a dar seus primeiros passos e pudemos circular em diversos espaços da cidade que remetem à Astronomia, que está virando uma das marcas da antiga Bananuiê, que junto com Aguiar e outras cidades onde há movimentos e grupos astronômicos, estão se tornando espécies de “capitais astronômicas da Paraíba”.
A quase centenária Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e a Praça do Poeta. Na antiga capelinha, no alto de um lajedo, muitos esperancenses têm participado de eventos astronômicos. A Praça do Poeta, que homenageia grandes vultos locais, também presenteia o público com as marcas da astronomia.
Como os astros caminham no espaço e às vezes dão voltas, eis que tempos depois, retornei a essa cidade querida nas memórias familiares. Nas lembranças da minha mãe, ainda em sua infância, sua mãe Professora, Maria Emília, de quem herdei a profissão e o segundo nome, deu aulas em 1940 para explicar um Eclipse que escureceu os céus locais e assustou algumas pessoas (registro que já deixei no Ambiente de Leitura Carlos Romero antes do Eclipse Anular aqui avistado em 2023). Jamais imaginei, de um ponto de vista muito pessoal, que um dia voltaria ali para olhar os céus que meus antepassados olharam gerações atrás. Onde estiverem, minha mãe Violeta e minha avó Emília devem ter ficado muito felizes com a Esperança no Espaço.