No final do século XVIII o pastor, teólogo e filósofo alemão, Johann Kaspar Lavater sur...

Dom Geraldo Lyrio, os olhos, as mãos, a amizade

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No final do século XVIII o pastor, teólogo e filósofo alemão, Johann Kaspar Lavater surpreendeu Goethe com a sua capacidade de dizer sobre a personalidade das pessoas a partir da análise da expressão facial, características físicas e a postura corporal. Lavater ficou conhecido pelo seu livro Fisiognomia e por sua amizade com o jovem Goethe e com o médico Mesmer (criador do mesmerismo).

Achei necessário fazer esta breve introdução para dar algum tipo de norte sobre as breves palavras que deixo aqui registradas sobre o amigo Dom Geraldo Lyrio.

Nesse tempo em que se discute usar da fisionomia dos indivíduos com fins comerciais e políticos, onde a tecnologia se apodera dos traços faciais como potencial ilimitado de exercício do poder, eu fico ainda com a forma primeva, com o olhar, como balizadora do meu entendimento do ser humano. Ciente de minhas limitações e sem me deixar contaminar por uma visão inocente e simplória da personalidade humana, o olhar, aliado ao diálogo são, na grande maioria das vezes, o que me permite, como médico, a aproximação dos meus pacientes.

Dentre as inúmeras benesses colhidas por um médico, está o aprendizado diário durante as consultas médicas. A mesa colocada entre duas cadeiras deve permitir não só o compartilhamento das angústias vinculadas a doença, mas também a conversa, a troca de experiências.

Dom Geraldo chegou ao meu consultório encaminhado pelo colega e amigo, Carlos Pasolini. Necessitava de uma avaliação e de cuidados específicos de um “eletricista do coração”.

Desde o nosso primeiro encontro estabeleceu-se uma relação de amizade e confiança. Simples, sorridente, receptivo aos meus questionamentos ligados à sua profunda experiência na cúpula da igreja católica brasileira, Dom Geraldo se firmou como um dos meus amigos e preencheu com leveza e felicidade o espaço sempre tão carregado de um consultório médico.

É singular uma relação que se cria entre um médico e o seu paciente.

Cabe ao médico manter-se atento ao motivo da relação e, quando possível, quando ocorre uma afinidade pessoal, se permitir uma certa “divagação” por temas variados de interesse comum. E são muitos os temas que me aproximam de Dom Geraldo. Embora eu não seja um indivíduo religioso, tenho uma formação pessoal e ética profundamente cristã. E ao longo dos últimos anos tem sido muito gratificante os poucos minutos que compartilho, semestralmente, junto com o nosso arcebispo.

Felizmente, o resultado do tratamento de Dom Geraldo foi excelente e, confesso aqui o meu egoísmo, foi possível dividir a nossa consulta de uma forma bem desproporcional. Em resumo, a avaliação médica, sem acidentes de percurso ou nenhuma novidade complexa, permitiu ao longo do tempo, o exercício do diálogo entre dois homens que compartilham o interesse de discutir o homem, a igreja, a política nacional, as idiossincrasias e incoerência que perpassam as atitudes e relações cotidianas.

Mas sempre nutri a expectativa de um dia poder ter um diálogo mais alongado com Dom Geraldo, ouvir mais, aprender muito. E falar menos... Pois quando estou com alguém que me deixa confortável, me permito o alongado das frases.

E veio a pandemia, e ele chegou com o mesmo rosto, o mesmo sorriso... Mas o distanciamento social, o uso essencial da máscara, nos “roubou” os traços faciais, o aperto de mão, o abraço amigo ... Mas a consulta de hoje (pois escrevo este texto poucos minutos após termos conversado), me confirmou que Dom Geraldo é um dos grandes seres humanos que tive o privilégio de conhecer e ter como paciente e, principalmente, amigo.

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