Conhecem Jerome Kern? Conhecem, sim, mesmo que disso não deem conta. É o compositor americano que até perto de 1945, ano de sua mort...

Culpa de Rod Stewart

rod stewart cronica paraibana
Conhecem Jerome Kern? Conhecem, sim, mesmo que disso não deem conta. É o compositor americano que até perto de 1945, ano de sua morte, musicou quase setecentas canções, muitas imortalizadas por vozes sucessivas, geração após geração, em uns cem filmes e espetáculos. Esse camarada está na trilha de “Swing Time”, o filme de 1936 estrelado por Fred Astaire e Ginger Rogers. Foi Kern quem teve a ideia das danças no compasso 4 por 4. Hollywood o homenageou com um Oscar. Dele, pois bem, o bom e velho Fred cantou para Ginger “The way you look tonight”, peça icônica com versos escritos por Dorothy Fields.

Vamos, porém, ao que mais interessa. Tudo começou em razão do pedido de um amigo meu à Alexa embutida no sistema de som do carro novo: “Alexa, toque Rod Stewart”. A voz metálica então perguntou: “Que música gostaria de ouvir?”. E ele: “The way you look tonight”.

A moça ao seu lado nem teve tempo para se espantar com aquela modernidade: a execução de músicas mediante comando de voz. A melodia de Kern, o poema de Dorothy e o timbre rouco e sensual daquele intérprete de pronto a hipnotizaram.

Tudo bem, confesso que romanceio a história. Mas este, no fundo, é o relato de como se envolveu, amorosamente, o ainda jovem casal de quem me tornei próximo, dada a vizinhança. E, aqui, interrompo o que conto para um conselho aos que andam a dividir com amigas de longa data, sem maiores compromissos, os passeios, o trabalho e os bares. Nunca ponham para tocar “The way you look tonight” depois de quatro ou cinco uísques. Especialmente, quando elas estiverem mais sóbrias do que vocês e no espaço apertado de um carro.

Aquele vestido leve, o perfume e o corte dos cabelos com que as mulheres são capazes de surpreender, foi não foi, anjos e demônios atiçaram os bons, ou os maus instintos do meu amigo. Façam as suas escolhas depois de ouvir, por inteiro, o que agora narro.

O dia lhe tinha sido enfadonho, daí o convite a ela para uma saidinha às 10 da noite. Horas depois, no caminho de volta às suas casas, lá veio Rod Stewart, em tom meloso, a cantar coisas não exatamente com esta tradução, porém com este sentido: “Quando eu estiver terrivelmente chateado e o mundo mais frio, bem me sentirei só por pensar no modo como você hoje se mostra”. E mais: “São adoráveis este seu riso terno e estas bochechas fofas. Nada então me resta a não ser amar você e este seu modo de ser”. Ainda, em livre tradução, é claro: “Este riso que enruga seu nariz toca meu coração bobo. Nunca, jamais, mude. Mantenha este charme que me tira o fôlego”.

Pronto, havia chegado o instante da declaração. Como nunca será fácil a ninguém revelar uma paixão súbita por uma amiga de décadas, pôs-se de início em rodeios.

Confessou-se apaixonado sem falar da dona do seu coração por mais que ela insistisse na revelação total e completa daquela história esquisita. “Quem é ela, nossa amiga Marina?”. A cada “não” surgiam menções a Isabel, Joana, Tereza e outras garotas mais da mútua convivência.

Já à porta da casa dela, não destravou as do carro. Rod, coitado, se ali estivesse ao vivo, estaria mais rouco. Fosse vitrola, Alexa, de tanta repetição, teria furado o disco. Seguiu-se, finalmente, o diálogo:

- Estou apaixonado por você.
- Como? Endoidou?
- Acho que sim, pois isso me veio de repente.
- Está falando sério, ou me trolando?
- Seríssimo.
- Meu Deus, não sei o que dizer. Estou em choque.

Afoito, ele a puxou para um beijo. Depois de alguma resistência, ela entregou-lhe a boca. Mas, e a alma? Para ele, isso ainda se fazia duvidoso, pois notou que a amiga manteve os olhos abertos pelo tempo em que seus lábios se tocaram.

- Vamos fazer melhor do que isso? – propôs. Desta vez, aconteceu um beijo mais longo e, indiscutivelmente, correspondido. Em seguida, aqueles dois caíram num silêncio longo, constrangedor e doloroso. Foi quando ele decidiu levar a coisa aos extremos. Ou ganharia uma namorada ou, ao invés disso, perderia uma amiga para sempre. De uma forma, ou de outra, poria fim àquela agonia.


Dona Mariza foi despertada pelo ruído leve do motor de um carro, à beira da calçada. Passado algum tempo, ergueu-se da cama ao notar que a filha não entrara em casa. Curiosa, espiou pela janela a fim de observar o casal ali, supostamente, estacionado. Que nada, aqueles dois haviam sumido. Para agravar sua apreensão, a garota não atendia às chamadas telefônicas que então lhe fazia de dez em dez minutos.

Ao despontar do sol, o regresso da menina a tranquilizava. Aquela mãe deixou a arenga para depois. A filha ouviria poucas e boas assim que saísse do quarto onde se trancou com um brilho estranho nos olhos e um ar de riso abobalhado e sem sentido.

Dona Mariza quase morreu de rir no dia em que o genro pôs a culpa no pobre Rod pelo ocorrido naquela madrugada. Riu a ponto de atrapalhar o sono do neto que então embalava.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE

leia também