Embora não seja fã e até os evite, eu compreendo o êxito dos filmes de terror. Ao assisti-los, as pessoas sentem que, diante das condições drásticas e terríveis exibidas por essas produções, as suas vidas são até suportáveis.
Com a exceção de praxe do contingente patológico que se compraz no sofrimento dos outros e de alguns cinéfilos que apreciam o gênero, boa parte do público que acorre a essa categoria de filmes a busca como uma espécie de consolação pessoal.
Ao mostrar outras pessoas em situações extremas, angustiantes e desesperadoras, essas produções fazem com que os espectadores se sintam aliviados, por causa do seu efeito catártico, que faz com que aqueles que assistem a esses filmes liberem emoções reprimidas, ao se depararem com situações dramáticas e aterrorizantes, o que lhes permite experimentar um tipo de depuração emocional.
Segundo o conceito aristotélico, a catarse é uma “purificação” obtida através dos efeitos emocionais produzidos pelo drama ou pela tragédia. Desse modo, através da experiência de depuração de emoções negativas, o espectador é levado a uma compreensão mais profunda e a uma espécie de renovação emocional.
Ao vivenciar, num ambiente seguro, o medo e o pavor causados por circunstâncias perigosas, o indivíduo experimenta satisfação, contentamento e alívio, como se os seus próprios medos fossem enfrentados e superados.
A busca inconsciente de lidar com temores exteriores torna os filmes de terror atrativos, pois, experimentar o medo num contexto fictício, pode-se confrontar melhor os temores reais, como a questão da morte física, numa forma mórbida de se intensificar a percepção da mortalidade e, de certa forma, aumentar apreciação pela vida.
Esse gênero cinematográfico também traduz as ansiedades sociais de cada época. Nos anos 1970 e 80, estavam de moda os filmes sobre invasores e psicopatas, o que refletia uma das paranoias sociais da época. O "cinema catástrofe", igualmente popular na década de 1970, intensificou-se depois da pandemia, explorando temas apocalípticos, ao canalizar os medos contemporâneos em relação ao terrorismo, desastres naturais, destruição ambiental, crises de saúde global e colapsos sociais e econômicos.
Embora funcionem como uma forma de reflexão psicológica e social acerca dos medos mais profundos e comuns, acredito que os filmes de terror devam ser consumidos com consciência, equilíbrio e discernimento, para que o estado emocional e mental de quem os assiste não seja prejudicado. Manter-se numa condição de tranquilidade e harmonia pode ser difícil quando cenas de violência e sofrimento nos chegam aos olhos constantemente.
A moderação é necessária em todas as situações da vida. Quem se dispõe a ver esse tipo de filme, deve estar consciente do seu efeito sobre a sua condição psicológica, no caso de uma exposição prolongada a um conteúdo desse tipo. Afinal, o efeito dos filmes de terror sobre a saúde pode variar de pessoa para pessoa, dependendo de fatores diversos, como o nível de sensibilidade e as condições emocionais de cada indivíduo. Dependendo da frequência, podem ocorrer efeitos como o aumento do estresse e da ansiedade, distúrbios do sono, além do risco de piora em condições de saúde mental, como no caso das pessoas que sofrem de transtornos de ansiedade, depressão ou distúrbios de estresse pós-traumático.
Pessoalmente, prefiro entretenimentos que promovam o bem-estar e a paz, e procuro evitar tudo o que possa me perturbar e abalar para além do que for inevitável. Os espantos cotidianos já me bastam, ainda que respeite a preferência de quem é fã dessa categoria de filmes.
Nietzsche disse que "quando você olha muito tempo para um abismo, o abismo olha de volta para você", num alerta sobre o sentido e a intensidade da atenção que dispensamos às coisas, pois há sempre o risco do observador ser consumido por aquilo em que concentra intensamente a sua atenção.
Ao não atender a advertência dos anjos, a mulher de Ló virou-se para o caos e se transformou numa estátua de sal. O rei Polidetes olhou para a Medusa e virou pedra. No conto "A Queda da Casa de Usher", Edgar Allan Poe, descreve como o protagonista Roderick enlouquece após fixar a sua mente nos medos e visões perturbadoras ligadas à decadência de sua própria casa.
Cada um se transforma, por fim, naquilo que mais aprecia e contempla. O touro Ferdinando, de Munro Leaf, preferia olhar as flores e, por isso, era pacífico e bondoso. Dom Quixote, de Cervantes, procurava a nobreza e a beleza mesmo diante da realidade crua do mundo. Cândido, de Voltaire, esforçava-se por manter uma atitude pura e pacífica diante da vida, preferindo "cultivar o seu jardim".
Aristóteles, o já mencionado autor do conceito grego de catarse, também expressou a ideia de que nos tornamos aquilo que repetidamente fazemos.