Anfiguris são minicontos, que dariam inveja a Dalton Trevisan, pois o superam em condensação e pelo grau de espanto gerados pelo nonsense e pelo drama.
As linhas do anfiguri Espaço livre habitam o angustiante universo aberto e dramático que jorra de um narrador que não se encontra no mundo – assim como todos nós.
A mulher e o rato exibe sua origem no absurdo de Kafka, destilado em A Metamorfose, que explora a transformação de um homem em barata. Mas barata é pouco para a revolta de José Augusto com a humanidade. Sua personagem acordava toda noite com um pesadelo em que um rato morava na sua cabeça e roía seu cérebro. Apesar da opinião tranquilizadora dos médicos, a cada dia ela foi se transformando em rato e, por fim, morre e sua cabeça aparenta ser comida de dentro por um grande roedor. Supera Kafka, pois mostra em detalhes a metamorfose a que o tcheco dedicou apenas uma linha.
Em seus minicontos A Pastorinha e Romanceiro, demonstra sua apurada técnica literária e o vasto domínio histórico de sua ferramenta, pois imita o estilo medieval de contar dramas, reproduzindo sua linguagem no português moderno.
Seu processo técnico característico inverte lugares e fatos de forma alucinante, mas que convergem para um eterno retorno: a rica personagem de Mendiga vive reclusa em sua mansão, mas sai de sua zona de conforto, disfarçada, para esmolar, sem necessidade. Conhece, então, um rapaz elegante, por quem se apaixona e que a explora até deixá-la na miséria. Ele então desaparece e ela passa a mendigar para viver. Moral: “só o amor destrói”.
Todos os anfiguris são antológicos e portadores de toques de um realismo mágico digno de Garcia Marques. Este é o caso de A falsa gorda, que remonta também ao personagem de Saramandaia, novela de Dias Gomes, exemplo de realismo mágico na televisão, que explodiu de tão gorda.
Nessa tônica, corpos explodem sem motivo e grandes olhos verdes crescem tanto que deixam de ter rosto, passando a ser apenas olhos que continuam a crescer.
Sua narrativa curta também remete ao universo das fábulas de La Fontaine e o reescreve, em A Cigarra e a formiga, nos tons do Brasil: a formiga, denunciada no imposto de renda pela cigarra, perde tudo que amealhou com seu trabalho. Por outro lado, a cigarra enriquece, torna-se política e é eleita para a Academia Brasileira de Letras. Instituição com que José Augusto mantém luta contra a Nova Ortografia e o Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Está com a razão por certo, mas Evanildo Bechara sequer responde aos bem articulados artigos que lhe remete, mostrando os defeitos de tais trabalhos.
É digno de menção o reaparecimento de Candaína, sinônimo da ignorância brasileira, país em que transcorre um de seus romances: “É por isso que se diz em Candaína que a ignorância muitas vezes vence o conhecimento e o estudo.”
Limeriques são poemas condensados em cinco versos, com esquema rímico AABBA. Longe de serem feitos apenas para o riso, como declara o autor em seu prefácio, são peças de humor ácido que mostram a sabedoria que reside na loucura. Mesclam nonsense com humor absurdo, batendo, assim, fortemente, com sua caixa de combinações impossíveis, na cabeça do leitor, expressando a capacidade do grande escritor de rever o mundo – assim como tem feito na revisão de toda a minha obra, por quarenta anos – e criando em nós, leitores, novas sinapses neuronais, pela associação inaudita das imagens montadas em seus versos. Salvam-nos, assim, do Alzheimer, por apresentarem uma inversão maravilhosa e inauditamente criativa do real.
Seus haikais, sempre em 3 versos, fogem da forma silábica 5-7-5, empregada no Brasil, mas que não fazem sentido, visto que sua origem japonesa emprega ideogramas. Refletem o desencanto deste excelente poeta ante o triste espetáculo da vida.
O pórtico do livro apresenta esta obra-prima que dialoga com o original de Fernando Pessoa, mostrando que o poeta não é um fingidor, ao contrário do que afirmavam os versos do mestre português:
“A poesia, sem alarde,
De toda mentira é isenta:
Prova o poeta que é verdade
A verdade que ele inventa.”
De toda mentira é isenta:
Prova o poeta que é verdade
A verdade que ele inventa.”
Apesar da amargura implícita na denúncia sistemática de todos os defeitos e detalhes do mundo, os haikais são primorosos e nada deixam a desejar frente aos de Guilherme de Almeida.
Enfim, é um genial livro de crítica de costumes, em que fixa, ao revisar a realidade, as características e traços do Brasil e do planeta, tornando-se, assim, uma cápsula do tempo em busca de sua melhora.