“A terra de um povo já não é um simples dado da natureza, mas uma porção de espaço afeiçoado, pelas gerações, onde se imprimiram, no...

A Música Árabe no Al-Andalus

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“A terra de um povo já não é um simples dado da natureza, mas uma porção de espaço afeiçoado, pelas gerações, onde se imprimiram, no decurso do tempo, os cunhos das mais variadas influências. Uma combinação original e fecunda, de dois elementos: território e civilização.”
Orlando Ribeiro, Hermann Lautensach e Suzanne Daveau; abril de 1991

Algumas das mais patentes e vincadas atividades artísticas de cariz muçulmano com raízes profundas à nossa ancestralidade são:

a música de influência árabe, requintada, animando incessantemente as festas populares, afervorando os esponsais de príncipes e princesas do Al-Andalus e arroubando as danças evocativas (as zambras) com bailarinas descendentes daquelas puellae gaditanae (raparigas gaditanas) da antiguidade, referidas por Juvenal e por Marcial ─ cuja vocação persistiu através dos séculos como uma herança preciosa em toda a Andaluzia;


a gastronomia, com diversificadas receitas, muitas das quais constantes dos manuais andaluzes, que chegaram intactas ao cardápio da cozinha tradicional portuguesa e espanhola;

o artesanato, da olaria aos cobres e latões, da cestaria aos vimes, das esteiras à técnica dos tapetes de Arraiolos e do trabalho dos couros e encadernações às filigranas;

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Tapete de Arraiolos, século XVII ▪ Fonte: Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa
a inacreditável marca arrebatadora da literatura árabe, a qual dá para pensar como, apesar de tudo, conseguiram chegar até nós milhares de registos e versos, incontestável índice de vitalidade andaluzina, termómetro da sua espiritualidade, capacidade de sonho e criação e da sua virtualidade de transformar o mundo;

o extraordinário património de vocábulos nas línguas portuguesa e castelhana, testemunhado em determinados sectores, sobretudo relacionados com técnicas agrícolas, administração e cargos militares;

a arquitetura, destacando-se as técnicas de construção militar, da taipa e do adobe, o mudéjar alentejano, o geometrismo ornamental dos esgrafitos nas fachadas alentejanas e algarvias,
Chaminé algarvia, exemplo da arquitetura árabe em Portugal
as adufas ou muxarabias, as açoteias, o cubismo e volumetria das casas, as chaminés algarvias, as cantimploras alentejanas cilíndricas e as cubas ou abóbadas inspiradas nos morábito.

Artes, génios e engenhos habitualmente pouco divulgados, mas que representam uma sobeja confirmação da profundidade da presença árabe na Península Ibérica.

No que respeita à música no Al-Andalus, conta-se que na Sevilha medieval proliferavam mais músicos e artistas do que aqueles que havia em toda a Ibéria, até à data da expulsão dos árabes em 1492. Para todas as ocasiões exigia-se um poema, uma canção, uma dança, uma música. Cantores, poetas, dançarinos e tocadores eram solicitados para decantar em todas as celebrações religiosas ou acontecimentos sociais como bodas, nascimentos, circuncisões, alvoradas, festas campestres, folias da aristocracia, festas da corte, feiras e atividades de artesanato.

No século XII, todos os reis mouros das taifas financiavam as suas “cítaras”, orquestras de músicos e cantores que contribuíam para o prestígio do seu protetor, enriquecidas por coros de belas mulheres adornadas de joias.

O ambiente musical era de tal forma agitado que (pode ler-se numa crónica datada de 1016) certa vez, em Málaga, um homem doente e acamado queixou-se às autoridades locais de que não conseguia dormir e curar-se dos seus males devido ao constante barulho, à animação tumultuosa e à vida fervilhante com bailes e canções que enchia a sua álea.

Para além dos banquetes e das festas, a música estava sempre presente, inclusive nas barbearias, onde havia vários instrumentos à disposição dos clientes que esperavam a sua vez de serem atendidos. Curiosamente, esta tradição
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Ud ou Oud: instrumento tipicamente utilizado nas músicas orientaisMet museum
manteve-se após a “Reconquista”, até bem entrado o século XIX, com a omnipresente guitarra dependurada na parede dos estabelecimentos.

Podemos supor que essa música erudita, que hoje é chamada “andaluza” em Fez e Tunis, emigrou para essas cidades com os últimos mouros. A outra música, a popular, a verdadeira e genuína expressão do génio andaluz, com os seus breves estribilhos rítmicos e as danças castas e espontâneas que pontuam as suas cadências, não é muito diferente da que, atualmente, acompanha com a guitarra as harmoniosas evoluções das bailarinas de Sevilha ou de Granada, ou serve de prelúdio às quadras do canto flamengo.

Ainda hoje, o lirismo intensíssimo dos rifenhos e dos povos do sul marroquino transparece nas vulgares gaitas, nos tamborins, nos alaúdes, nas cítaras, no “al-buq” ou alboque (um instrumento de sopro feito de cana, com um som chiado), nos violinos e em outros instrumentos. Os cantares do Alentejo, por exemplo, procedem dos árabes e a verdade é que, volvidos dez séculos, em pouco ou nada se modificaram. O “álá” aristocrático dos mouros, melodia de notas tristes e cadenciadas, existe ainda na sua primeira forma em muitos pontos da Península. Não identificou, um dia, o etnólogo Michel Giacometti, nos campos da Ericeira, uma canção de trabalho que havia escutado, tempos passados, algures em Marrocos?...


As canções musicadas que a ciência moderna nos transporta de Argel ou do Oriente distante, desentoam pela monotonia e pela espontânea manifestação duma tristeza dicaz de que já se perdeu o hábito na Europa. Os “guembri” (instrumentos de duas cordas) adquirem acordes que lembram o clássico fado nacional. As canções relativas à perda do “al-andalus”, assim como ao do perdimento de lugares históricos como Silves e Santarém, as quais lembram tristes elegias, são esplendorosamente notáveis pela indizível forma de saudade de que estão repletas...
UM CERTO ORIENTE
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O autor convida os leitores a acompanhar seu programa semanal Um Certo Oriente, com músicas e temas orientais, transmitido nas seguintes emissoras e horários, via internet: Domingo 03h—04h Rádio Via Aberta 08h—09h RCP FM 92.6 FM 13h—14h Rádio 100Margens 20h—21h Rádio Voz Online na Cossoul 21h—22h Telefonia da Amadora (em manutenção) Segunda-feira 15h—16h Rádio Portimão 106.5 FM 19h—20h Rádio Alta Tensão 20h—21h Rádio JB Nostalgia Quarta-feira 22h—23h Rádio Marmeleira Quinta-feira 11h—12h Rádio Alcobaça 23h—24h Rádio Cantinho da Madeira Sexta-feira 19h—20h Rádio Paixão FM 21h—22h Rádio Nova Oeste 23h—24h Rádio Onda Certa Sábado 08h—09h Rádio Surpresa 15h—16h Rádio Antena Mais 18h—19h Antena Web (Canal 1) 20h—21h Rádio Portimão 106.5 FM 21h—22h Rádio Horizonte Atlântico 21h—22h Canal Viana
OBS.: No Brasil, a emissão ocorre quatro a horas a menos em relação ao horário de Portugal.

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