Natália pensou em chamar Paulo para celebrar seu casamento. Não sabia por que de repente lhe ocorrera isso, mas tinha curiosidade de o rever. Como foi ele quem a deixou, não se constrangeria de ser o celebrante – mesmo que o futuro esposo fosse o antigo rival. Tomou coragem, ligou para a igreja e perguntou quando podia encontrá-lo. Para lhe fazer uma surpresa, não disse de quem se tratava.
Horas depois, entrava no recinto contíguo ao altar. Sentou-se e, enquanto esperava o ex-namorado (achou esquisito pensar nessa palavra), correu os olhos pelo ambiente. Os móveis escuros, pesados, sugeriam renúncia e gravidade. Do conjunto emanava uma paz que devia ser o que ele procurava quando a deixou. Chegava a compreender que a tivesse trocado por uma vida solitária e sem maiores inquietações.
Paulo entrou. Quando a reconheceu, ficou levemente pálido e deu um sorriso.
– Você?!
Ela também sorriu, buscando afetar naturalidade. O rapaz mudara pouco; perdeu alguns cabelos e ganhou um ar meio espiritualizado, comum nos que desistem dos prazeres deste mundo. Sentaram-se um de frente para o outro, e Natália explicou o motivo de estar ali. Falou do casamento próximo, com Saulo.
– Saulo?!
– Sim. Sei que você não gostava dele, mas faz tanto tempo, não é? Além do mais, você (hesitou um pouco, e corrigiu)... o senhor foi quem desapareceu.
– Mas como eu não podia desaparecer depois daquela carta?
– Que carta?
– A carta que você me escreveu terminando tudo – esclareceu com um sorriso amargo, revivendo por instantes a emoção de anos atrás.
Natália sentiu uma pequena tontura e mal ouvia as palavras de Paulo. Ele disse que a carta tinha sido um marco; após ler aquelas palavras, caiu numa melancolia que só encontrou alívio em Deus. “Fechou-se” por um tempo, sem falar com ninguém, depois entrou no seminário.
– Sua carta doeu tanto, que não consegui mais ser o mesmo. Ainda assim guardei ela comigo, junto da Bíblia. Afinal de contas, uma entrou na minha vida por causa da outra.
Depois de dizer isso foi a um recinto lateral, de onde voltou com um envelope amarelado. Entregou-o a Natália, que àquela altura compreendera o que tinha acontecido.
– A carta... não era para você.
– Como não era? Olhe aqui: “Para Paulo”, no envelope. E depois o vocativo: “Caro Paulo”.
– Isso não é um “P”. É um “S”. A carta era para Saulo. Quando eu pedi a uma colega da escola que entregasse a ele, não pronunciei o nome do destinatário. Ela também deve ter confundido as letras. Meus professores de redação sempre disseram que eu devia corrigir isso, mas nunca dei importância.
Paulo se levantou, atordoado.
– Se a carta era para Saulo, por que o casamento agora?
– Depois que você me deixou sem dar notícias, comecei a me sentir muito só. Saulo agia como se nada tivesse acontecido (e não aconteceu mesmo!). Imaginei que ele se comportava assim por ser persistente e não aceitar me perder, então não toquei no assunto da carta. Comparada com a sua atitude, a dele me parecia muito superior. Terminei aceitando-o como uma forma de lhe esquecer.
Ficaram em silêncio por um bom tempo. Quem primeiro falou foi Natália:
– E então? Faz o casamento?
– Faço, é claro. E sei que vou me emocionar mais do que das outras vezes. Afinal, o noivo era para ser eu.
– Mas não vai dizer isso no sermão...
– Não vou. Apenas eu e você vamos ficar sabendo. No sermão, o máximo que eu vou fazer é retificar o ditado. Em vez de “Deus escreve certo por linhas tortas”, “Deus às vezes escreve certo por letras trocadas”.
É comum se querer apontar a moral de uma história. Se o texto acima tem alguma, pode se resumir nesta prosaica lição, que costumo passar aos alunos: “Ao redigir, escreva com legra legível. A falta de clareza pode mudar um destino.”