O livro As flores do mal (Les fleurs du mal), de 1857, revolucionou a literatura francesa, deixando para trás o Romantismo. Seus poemas, muitas vezes, crus e realistas dariam ao flâneur Charles Baudelaire o status, nada lisonjeiro de início, de “poeta maldito”. Apesar da estranheza com que os seus poemas foram recebidos, em meio ao que se pode chamar de poesia sem halo e poeta sem auréola, como o próprio Baudelaire se definiu, encontra-se uma pérola, aparentemente das mais singelas, um hino a uma determinada Francisca — Franciscae Meae Laudes. Integrando a parte Spleen et idéal,
o hino é o único poema, de todo o livro, escrito em latim, cuja singeleza, na realidade, esconde uma intenção sexual. Dele, fizemos uma tradução em versos heptassílabos, que apresentamos aos nossos leitores.
Franciscae Meae Laudes
Charles Baudelaire
Nŏvīs tē cāntābō chōrdīs,
Ō nŏvēllētūm quōd lūdĭs
Īn sōlĭtūdĭnĕ cōrdĭs.
Ēstō sērtīs īmplĭcātă,
Ō fēmĭnă dēlĭcātă,
Pēr quām sōlvūntūr pēccātă!
Sīcūt bĕnĕfĭcūm Lēthē,
Haūrĭām ōscŭlă dē tē,
Quǣ īmbūtă ēs māgnētĕ.
Quūm vĭtĭōrūm tēmpēstās
Tūrbābat ōmnēs sēmĭtās,
Āppārŭīstī, Dĕĭtās,
Vĕlūt stēllă sălūtārĭs
Īn naūfrăgĭīs ămārīs...
Sūspēndām cōr tŭīs ārīs!
Pīscīnă plēnă vīrtūtĭs,
Fōns ǣtērnǣ jŭvēntūtĭs,
Lăbrīs vōcēm rēddĕ mūtīs!
Quŏd ĕrāt spūrcūm, crĕmāstī;
Quōd rŭdĭŭs, ēxǣquāstī,
Quōd dēbĭlĕ, cōnfīrmāstī.
Īn fāmĕ mĕă tăbērnă,
Īn nōctĕ mĕă lŭcērnă,
Rēctē mē sēmpēr gŭbērnā.
Āddē nūnc vīrēs vīrĭbŭs,
Dūlcĕ bālnĕūm suāvĭbŭs
Ūngēntātŭm ŏdōrĭbŭs!
Mĕōs cīrcā lūmbōs mīcā,
Ō cāstĭtātīs lōrīcă,
Ăquă tīnctă sĕrăphĭcă;
Pătĕră gēmmīs cŏrūscă,
Pānīs sālsūs, mōllĭs ēscă,
Dīvīnūm vīnūm, Frāncīscă!Meus Louvores a Francisca
Charles Baudelaire
Eu te canto em novos timbres,
Ó noviça, tu que brincas
Em meu coração sozinho.
Enlaçada em guirlandas.
Tu serás, ó mulher terna,
Por quem os pecados vão-se!
Tal o Letes, rio benéfico,
Beberei os beijos teus,
Que és toda imantação.
Quando os vícios em tormenta
Os caminhos perturbavam,
Tu, Deidade, apareceste,
Tal estrela salvadora
Nos naufrágios tão amargos…
O meu cor em teu altar!
Lago pleno de virtude,
Fonte eterna juvenil,
Dá a voz aos lábios mudos!
O abjeto, tu queimaste;
O mais rude, aplainaste,
E o débil, tu firmaste.
És taberna, em minha fome
E na noite, minha luz,
Sempre, reto, me governa.
Dá, agora, forças aos fortes,
Doce banho perfumado
Com os odores mais suaves!
De meus rins cintila, em torno,
Ó arnês da castidade,
Água tinta e seráfica;
Taça cintilando gemas,
Manjar doce, salso pão,
Ó, divino vinho, Francisca!