Na culinária, os chefes de cozinha costumam preferir o fogo brando ao forte para alcançar o cozimento perfeito das iguarias. Trata-s...

Sérgio de Castro Pinto, chefe poético

poesia paraibana sergio castro pinto
Na culinária, os chefes de cozinha costumam preferir o fogo brando ao forte para alcançar o cozimento perfeito das iguarias. Trata-se, logo se vê, de uma sabedoria lentamente apurada ao longo do tempo, através de experimentos mil, de erros e de acertos, ao fim dos quais se concluiu que sempre comem melhor os que não têm pressa. Foi nessa filosofia, talvez, que o nosso poeta Sérgio de Castro Pinto escolheu o inspirado título de seu livro mais recente: Brando fogo das palavras, Editora Patuá, São Paulo, 2024, belamente ilustrado por Flávio Tavares.

poesia paraibana sergio castro pinto
Esse fogo brando pode significar muitas coisas, claro. Imaginar-lhe os sentidos é tarefa dos críticos e dos leitores, já que o autor não os revela, apenas insinua. E é bom que seja assim, pois qual seria a graça de se ter tudo previamente revelado? Na vida como na arte, não raro o não dito vale mais que o dito, e a mera insinuação é muita vez a chave da mais completa e consumada sedução.

O poeta Castro Pinto, para além da já consagrada qualidade artesanal de seus poemas, é célebre pela economia de palavras. Nele, sabemos, o menos é mais, e se Gilberto Freyre fosse rotular as suas produções poéticas, talvez as chamasse de “magras”, para contrapô-las às “gordas” de um Augusto Frederico Schmidt, por exemplo. Com essa mesma antítese original, sabe-se, Freyre distinguiu as igrejas de Salvador (“gordas”) das de Recife (“magras”). Pois bem, é possível que essa boa “magreza” dos poemas de Sérgio, que tem tudo a ver com a elegância dos finos e não com a feia fome dos necessitados, resulte, de alguma forma, desse
poesia paraibana sergio castro pinto
Augusto Frederico Schmidt
Serge Ivanoff
fogo brando de seu processo criativo, no qual as palavras vão de decantando, até restar nada mais que o puro sumo essencial. É uma hipótese que não exclui as demais.

Um aspecto do livro que não se pode olvidar é que sua publicação deu-se em tempos de viuvez do poeta. Uma sofrida viuvez, lembremos sempre. A presença (não a ausência) de Alda Lúcia paira soberana sobre o livro e o atravessa desde a dedicatória embebida de saudade. Alguns poemas, pela temática, vê-se logo que foram escritos após a grande perda; outros, não dá para saber exatamente, mas claramente remetem à atmosfera geral da obra de 35/37 poemas, que é indisfarçavelmente melancólica, como não poderia deixar de ser, face as circunstâncias. A propósito, transcrevo a seguir o poema justamente intitulado viuvez:

foram-se-me os teus dedos e ficaram-me os teus anéis sem serventia

Lapidar exemplo de concisão formal, como se vê. Outro exemplo dessa economia, mas agora sem o viés explícito da melancolia, está em a cigarra:

cheia de si a sina da cigarra é explodir

É a marca personalíssima do poeta, desde o livro inaugural, lá se vão mais de cinquenta anos. A comprovação de que ele
Sérgio de Castro Pinto
A União
sempre pertenceu “à família exigente dos buriladores”, como disse do poeta mineiro Abgar Renault o crítico paulista Antonio Candido. Essa sua contenção, todavia, é um pouco deixada de lado no poema jogo frugal, dedicado à companheira de sempre, em que o sentimento amoroso e a confissão assumem o protagonismo, explicitando um momento da intimidade do poeta que, o mais das vezes, costuma ocultar do leitor o seu eu lírico, pelo menos na medida em que isso é possível:

sapoti! sapoti! sapoti!
poesia paraibana sergio castro pinto
morcego! morcego! morcego! amor cego por ti! amor cego por ti! amor cego por ti! não escrevi à faca o teu nome no tronco do sapotizeiro, mas na raiz. na mais profunda raiz de mim mesmo.

Mas, sabemos, a força da vida é muito grande. E se a vitória final pertence inevitavelmente a Tânatos, Eros não se deixa vencer facilmente. E, como uma flor no asfalto, surge no livro de repente o poema recuerdos de mi juventud:

desabotoava a tua blusa? não, desabotoava
poesia paraibana sergio castro pinto
os teus seios ainda em botão e aprisionava-os na palma das mãos. Aprisionava-os? não, dava-lhes liberdade, que a liberdade dos seios é sentirem-se presos na concha das mãos.

E o poema alegria vem juntar-se a este como que para permitir que um tímido raio de luz rompa a justificada sombra que paira sobre a obra como um todo:

algaravia de um viveiro sem pássaros prisioneiros

Nestes dois poemas, vemos que o poeta, à sua maneira, resiste à dor e ao pessimismo. É a pulsão vital falando mais alto, mesmo que baixinho, e prometendo que a vida seguirá, como costuma seguir, a despeito de tudo. E essa tácita promessa enche de esperança o coração dos fiéis leitores de Sérgio, na expectativa de que o grande poeta, ourives e chefe, continue a enriquecê-los com suas pequenas joias pacientemente trabalhadas ao brando fogo das palavras.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Anônimo9/9/24 10:43

    Maravilhoso 👏👏👏👏👏👏👏👏🙏🙏🙏♥️♥️♥️♥️♥️♥️♥️✂️

    ResponderExcluir
  2. Obrigado, Leo.

    ResponderExcluir
  3. Viva, Raniery.

    ResponderExcluir

leia também