Pleonasmo é o nome que se dá à repetição de ideias ou à redundância, no âmbito do elemento que constitui a significação básica de u...

Pleonasmo

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Pleonasmo é o nome que se dá à repetição de ideias ou à redundância, no âmbito do elemento que constitui a significação básica de uma palavra. Isso quer dizer que o pleonasmo, em princípio, diz respeito ao léxico, à significação externa das palavras, sem levar em conta as relações gramaticais. Seriam pleonásticas, originalmente, expressões como: entrar para dentro, sair para fora, subir para cima, gritar alto, sussurrar baixinho, surpresa inesperada, encarar de frente, há anos atrás, cárie no dente, elo de ligação, etc. Os linguistas e filólogos estenderam
para a gramática o sentido da palavra pleonasmo, de maneira inadequada, pois, na sintaxe do português, a concordância é sempre redundante.

A variedade de expressões pleonásticas do tipo lexical levou os estudiosos a estabelecer uma distinção mais ou menos tênue (ainda) entre pleonasmo vicioso e pleonasmo aceitável. Aceitável, por força das regras da sintaxe, é todo pleonasmo gramatical. Numa frase como “As meninas são bonitas”, temos dois tipos de redundância gramatical: a de gênero (das quatro palavras da frase, três repetem o gênero feminino: as, meninas e bonitas) e a de número (as quatro palavras da frase estão todas no plural). Em inglês, essa mesma frase não teria redundância de gênero, mas apenas de número: “The girls are beautiful” (há nessa frase uma única marca de feminino – a palavra girls que é do gênero feminino –, e duas marcas de plural: o {–s} de girls e a flexão verbal are). O inglês é menos redundante gramaticalmente do que o português.

Do ponto de vista lexical, aceitável é o pleonasmo em que se determina o núcleo da redundância com advérbios, com adjetivos, com locuções adverbiais, com locuções adjetivas ou com orações adjetivas. Em outras palavras, “sonhar um sonho” é expressão inadequada, mas “sonhar um sonho esquisito” é expressão que os falantes cultos não condenariam; “dormir um sono” é pleonasmo vicioso, mas “dormir o sono dos justos” é considerado aceitável. Assim, também seriam considerados aceitáveis pleonasmos como “Vi claramente visto o lume vivo” (Os Lusíadas, V, 18); “Chovia uma triste chuva de resignação” (Manuel Bandeira); “E aí dançaram tanta dança / que a vizinhança toda despertou” (Chico Buarque e Vinícius de Moraes); “chorar um choro sentido”;
“penar indignas penas”; “Eu canto um canto matinal” (Guilherme de Almeida), etc.

Tecnicamente, o que caracteriza o pleonasmo como não vicioso ou aceitável é apenas o modo inteligente com que ele é usado. Se o escritor usar um pleonasmo aparente, isto é, um pleonasmo expressivo que sugira uma leitura diferente, então não é vicioso. Se “ver com os olhos” é trivial isoladamente, já não o será se o escritor sugerir a possibilidade de ver diferentemente. Saint-Exupéry dizia que é preciso “ver com o coração”. “Ver com os olhos”, no contexto ficcional de O pequeno Príncipe, já significa “deixar de ver o essencial, que é invisível para os olhos”. A possibilidade de uma leitura diferente retira à expressão “ver com os olhos” o caráter trivial, óbvio, redundante ou tautológico do pleonasmo vicioso. A frase “João anda com os próprios pés” deixa de ser pleonástica se o seu autor privilegia o uso que João esteja fazendo de sua capacidade de decidir por conta própria os caminhos a tomar na vida.

Repare-se que uma expressão aparentemente tautológica como “crianças são crianças” não é redundante: a primeira ocorrência de “crianças” está no sentido denotativo; a segunda ocorrência, no sentido conotativo. Mas parece-me que são tautológicos os versos iniciais da letra da marcha de João de Barro e Antônio Almeida, para o carnaval de 1947: “Branca é branca, / preta é preta, / mas a mulata é a tal...”

Em linguística, chama-se perissologia a redundância que consiste na repetição desnecessária de um mesmo pensamento, com palavras diferentes. Às vezes a perissologia não é sentida como redundância, porque o falante normal desconhece a etimologia, como em “panaceia universal”, “monopólio exclusivo”, “caligrafia bonita”.

Muitas vezes se consideram pleonásticas construções que o não são, como “sorrir com os lábios”, “fatos reais”, “criar novos empregos”, por exemplo. Afinal, é possível sorrir com os olhos e não apenas com os lábios (cf. letra de João de Barro para a música “Carinhoso”, de Pixinguinha: “E os meus olhos ficam sorrindo / E pelas ruas vão te seguindo...”)
e também existem fatos não reais, como se vê no verbete romance, do dic. Houaiss, item 6: “prosa, mais ou menos longa, na qual se narram fatos imaginários (...).” Ou como se lê no verbete novela, do dic. Aurélio: “narração, usualmente curta, ordenada e completa, de fatos humanos fictícios (...).” Ora se um fato pode ser imaginário ou fictício, fato real não é pleonasmo. Quanto a criar novos empregos, a expressão é diferente de “criar empregos novos”. Novo aí pode significar “outro”, “diferente), como em “Adonias publicou um novo livro”. Assim, criar novos empregos significa criar outros empregos.

Não se deve considerar como vicioso o pleonasmo que só é reconhecido como tal por quem conhece a etimologia ou a origem da palavra ou expressão. Está nesse caso a expressão “caligrafia bonita”, porque a grande maioria dos falantes sente em “caligrafia” apenas o sinônimo de letra, e não o de “bela grafia”. A etimologia é má conselheira: ninguém vê em “músculo” o significado de “pequeno rato”, nem vê em “hidrofobia” o sentido de “horror à água”, nem vê em “acrobata” a ideia de “morador da extremidade”...

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