O slogan “Paz em casa, paz no mundo” (em turco “Yurtta sulh, cihanda sulh”, traduzido hoje como “Yurtta barış, dünyada barış”, devido às reformas linguísticas) é o lema oficial da Türkiye, cunhado por Mustafa Kemal Atatürk, a 20 de abril de 1931, durante uma das suas viagens pela Anatólia, sendo posteriormente integrada e implementada como política externa do país.
Há uns tempos, compromissos profissionais levaram-me até Istambul, a cidade construída sobre sete colinas, na Turquia, onde permaneci durante três semanas. Enlevado por aquela atmosfera de sonho, êxtase e fantasia oriental, os meus sentimentos esquadrinharam o pulsar das gentes turcas, os seus lugares emblemáticos e todo o vigoroso híbrido que caracteriza esta encruzilhada de civilizações milenares tão distintas. Uma miscigenação surpreendente, amálgama fascinante, ainda que não raras vezes explosiva, de perspectivas e tradições completamente diferentes.
No extremo limite da terra firme, onde a Ponta Seraglio ou “Sarayburnu” (“ponta ou cabo do palácio”) entra como a proa de um navio pelo Bósforo (Boğazi) dentro, tendo o mar de Mármara a estibordo e o Corno de Ouro a bombordo, a Ponte Galata que o franqueia, o denso fluxo de tráfego em Edirne Kapi a que se junta, numa cacofonia de buzinadelas e assobios, os pregões dos vendedores ambulantes e se erguem os pavilhões, quiosques, pátios, jardins e fontes de Topkapi Sarayi, o fabuloso palácio dos sultões, o hipódromo romano, o encanto da Mesquita Azul (ou Mesquita Sultan Ahmed) otomana, a joia do sereno perfil da coroa bizantina Hagia Sophia e a cisterna subterrânea Yerebatan Saray.
A esta atmosfera e magnificente mosaico cultural e visual, incluem-se, ainda, a linear simplicidade de Taksim, a magnificência do Grand Bazaar (Kapali Carsi), a majestade do característico bairro Ortaköy no distrito de Beşiktaş, a força e a beleza de Anadolu Ateşi, a hospitalidade do sorriso turco, a linha exótica das cúpulas e minaretes recortando-se em silhuetas contra o céu, os nomes antigos de Bizâncio e Constantinopla (com origem na locução bizantina “eis tem polin”, que significava “na cidade”, ou “para a cidade”). Tudo contribui, com o seu brilho, para o fascínio de Istambul. E a Turquia fica aqui algures, desperta ao apelo dos muezins.
Durante 400 anos, foi este o centro nevrálgico do Império Otomano e do próprio Islão, pois os sultões reclamavam para si mesmos o título de califa (sucessor de Maomé e líder espiritual do Islão), bem como o de Comandante dos Crentes e Sombra de Deus na Terra.
“Bir var mis, bir yok mis” – “talvez tenha acontecido, talvez não tenha”. É assim que começam as histórias de fadas turcas, mas esta lenda tem pelo menos uma certa relação com os factos. Há muito, muito tempo, quatrocentos cavaleiros que vinham do Oriente avistaram, ao chegarem ao alto de uma colina, dois exércitos em luta. Num gesto cavalheiresco, lançaram-se vertente abaixo e entraram na refrega ao lado do grupo que estava a perder, e que em consequência desta intervenção passou a vencedor. Os salvadores foram recompensados com um estandarte, um tambor e um pequeno pedaço de terra, que eles e os seus valorosos descendentes se encarregaram de transformar num império, que se estendia desde as portas de Viena até para lá do mar Vermelho.
Mustafa Kemal Pacha, honrado com o título de Atatürk (“Pai dos Turcos”), foi o último herói guerreiro otomano, o único a resistir (defendendo vitoriosamente Gallipoli) quando os Aliados submeteram o que restava do arruinado império antes de o repartirem entre si, terminada a Primeira Guerra Mundial. Atatürk deu uma nova identidade aos turcos e, ainda hoje, se encontram gravadas em paredes, monumentos, e até em montanhas, por toda a Turquia, estas suas palavras: “Ne mutlu Turkum diyene!” (“Felizes aqueles que a si mesmos chamam Turcos!”).
Nos excelsos folhetos ilustrados que distribui aos turistas, a Turquia gosta de se apresentar como “o País das Civilizações”. Mas, como os próprios turcos costumam dizer, com um humor um tudo nada dúbio: “O Oriente é o Oriente e o Ocidente é o Ocidente... mas a Turquia é outra coisa...”. A Turquia é um país novo numa terra antiga, desde há milhares de anos uma ponte cultural e uma fronteira volúvel entre a Europa e o Médio Oriente. Só a partir de 1923 passou a ser uma nação por direito próprio: uma república secular ao estilo ocidental, talhada, contra todas as possibilidades, em pleno coração de um império pan-islâmico. Com mais de 90 milhões de habitantes, é o país mais populoso do Médio Oriente e um membro-chave da NATO, guardando o flanco sueste da aliança. É igualmente membro das Nações Unidas, do Conselho da Europa e um Estado associado da União Europeia - com aspirações a tornar-se membro de pleno direito num futuro não muito distante - e recentemente oficializou o pedido para integrar o BRICS, grupo de países de mercado emergente em relação ao seu desenvolvimento económico, formado por Brasil, China, África do Sul, Rússia, Irão, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos, Índia e Reino da Arábia Saudita...
Os turcos, que em tempos dominaram uma quarta parte da Europa, têm fama de ser uma raça de guerreiros. “São corajosos e pusilânimes, gentis e ferozes, activos e indolentes (...) simultaneamente susceptíveis, delicados e rudes”, escreveu, vai para mais de um século, um mercador britânico. De resto, a palavra “misafir” (hóspede) tem na Anatólia uma conotação quase sagrada, como o viajante perdido não deixará de descobrir ao ser principescamente recebido no “misafir odasi” (quarto de hóspedes) de qualquer aldeia da região. Mas que Deus ajude o visitante que faça um comentário leviano ou, pior ainda, crítico, sobre o país, mesmo que seja a brincar.
Teşekkür ederim Turkiye!