Envelhecer exige uma espécie de coragem peculiar. Não a coragem cinematográfica, heroica e ostensiva, mas aquela sutil e silenciosa, que é a de continuar existindo quando a realidade insiste em mudar corpo, mente e cotidiano. Caminho sozinha por ruas semidesertas neste final de verão. E enquanto ando, faço promessas a mim mesma. Promessas que talvez não consiga cumprir. Digo que farei um inédito arranjo de mim mesma para impedir a adversidade de roubar a alegria dos dias futuros, mas sei que o tempo, moleque travesso, corre mais rápido que eu. Ele ri enquanto me encaro no espelho.
Sigo me sentindo estreante na vida, enquanto meus cabelos embranquecem.
A verdade é que ninguém se prepara para envelhecer. Não de verdade. Falamos sobre racionalidade, desapego e planejamento. Mas, sejamos sinceros, é um esforço débil, não é? Porque, na prática, a velhice chega como um ladrão à noite, invadindo os espaços que pensamos controlar. Ela não se contenta em atingir só a nós. Alcança nossos filhos, nossos amigos. Impacta tudo ao nosso redor, como um polvo de invisíveis tentáculos. Mesmo assim, quase ninguém pensa nela até que o horizonte distante se aproxime perigosamente.
Falar sobre envelhecer é, essencialmente, mencionar perdas. A agilidade mental, o vigor físico, a pele viçosa. Tudo se vai, um por um, e o corpo guarda uma saudade que não pode ser saciada. Se você tem filhos, o cenário é ainda mais complexo. Enquanto eles conquistam sua independência, você percebe que o tempo passou para todos. O silêncio entre pais e filhos é cheio de pressões, culpas e anseios não ditos. Ambivalência, perda, insegurança — palavras que ninguém pronuncia, mas que pesam no ar.
E então vem a inversão. Os filhos crescem, e os pais perdem as rédeas que acreditavam segurar tão firmemente. Há de se ter cuidado para evitar as armadilhas – como o amor se tornando desculpa para atrasar o voo, um jogo de controle disfarçado de proteção. Difícil resistir ao desejo de que permaneçam debaixo de nossas asas, embora seja óbvio que precisam iniciar sua jornada. Essa é a natureza das coisas. Estimular a independência deles, desde cedo, é um ato de amor mais genuíno do que mantê-los sob tutela. Porque independência não é sinônimo de afastamento emocional. Pelo contrário. É o teste final do que ensinamos, o verdadeiro sinal de que os filhos fizeram suas próprias escolhas baseados no que aprenderam.
Mas quando eles finalmente partem, o que nos resta? Para muitos, fica um silëncio, um oco na vida e na casa. A saudade vira um eco incessante, e alguns afundam na chamada "síndrome do ninho vazio", um nome quase cínico para o que é, na verdade, uma crise existencial. Mas há outros que enxergam essa lacuna como oportunidade. São esses que conseguem se reconstruir, que descobrem talentos perdidos ao longo dos anos. O espaço vazio, afinal, pode ser fértil, se permitirmos.
É fácil se perder no medo. Medo de se tornar irrelevante. Medo de não ter mais um papel a desempenhar. Para alguns, a sensação de inutilidade cresce, exacerbada por problemas de saúde, por limitações físicas, por um corpo que não responde mais da mesma maneira. E é nesse momento que a culpa entra em cena. A culpa por depender dos filhos, por ser um fardo, por estar atrapalhando a vida que eles estão tentando construir ou a nova família que formaram.
E para os filhos, a independência carrega seu próprio peso. Há o alívio, claro, de finalmente conquistar um espaço só seu. A vida está no seu apogeu. Mas logo vem a responsabilidade. Cuidar dos pais é uma tarefa nem sempre fácil. Há um certo luto em ver se deteriorarem os corpos daqueles que nos cuidaram. A inversão de papéis nunca é fácil, e a transição pode se encher de ressentimentos, de pequenas mágoas. Às vezes, as palavras não ditas pesam mais do que as que são pronunciadas. Caminha-se em gelo fino.
O tempo, mais uma vez, impõe suas regras. Pais e filhos se encontram em uma encruzilhada. Os filhos tentando equilibrar a autonomia conquistada com a necessidade de cuidar dos pais. Os pais tentando lidar com a perda de controle, com o espelho do tempo que devolve uma imagem que nem sempre desejam ver. Não há solução simples, apenas a tentativa de caminhar lado a lado, sem perder o ritmo.
No fundo, envelhecer é sobre aprender a deixar ir. Deixar partir os filhos, deixar ir o controle, deixar ir a ideia de quem éramos. E, sim, encontrar uma nova forma de existir. O decaimento físico é inevitável, por mais que tentemos lutar contra ele. E para os filhos, é imperativo aceitar essa nova realidade sem reduzir seus pais a figuras frágeis, incapazes. Não há nada mais desconcertante do que ver um idoso lúcido sendo tratado como criança por filhos autoritários.
Ah, sim, e há a culpa. Essa palavra aparece de novo, como uma sombra. Pais dependentes ou doentes sentem culpa por depender dos filhos. Muitos acreditam que estão atrapalhando, que não deveriam ser um peso. Alguns tentam manter uma aparência de força e independência, mesmo quando o corpo grita o contrário. Mas a verdade é que tudo isso deveria, se possível, ter sido preparado antes — financeira e emocionalmente. Porque as decisões tardias são as mais dolorosas.
O equilíbrio é uma flor delicada. Requer cuidado extremo cultivá-la. Filhos precisam entender que cuidar dos pais não é reverter papéis, mas reconhecer sua vulnerabilidade sem infantilizá-los. E os pais, por sua vez, precisam abraçar o tempo, aceitar o apoio quando necessário, mas manter a independência sempre que possível.
No fim, somos todos parceiros. Filhos voltam, não como crianças, mas como cuidadores, como conselheiros. Parceiros é uma palavra preciosa. Ela significa que criamos filhos capazes de andar com seus próprios pés e, por isso mesmo, capazes de caminhar com delicadeza ao nosso lado. Gosto de pensar que em uma familia na qual prevalece o amor, pais e filhos caminharão lado a lado, mesmo quando o tempo parece distanciar seus passos. Acredito que há um vínculo invisível, entrelaçado por memórias, afetos e, inevitavelmente, por dores e desafios a moldar as jornadas individuais.
O tempo não para, mas podemos percorrer esse caminho com graça. Menos controle, mais afeto. Menos medo, mais aceitação. E, talvez, em algum ponto na busca por essa nova forma de existir, encontraremos beleza e significado nos espaços que surgem entre o que foi e o que será.
▪ Texto original em soniazaghetto.com
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