Setembro era o mês de Nathanael Alves, 11 de setembro o seu dia. Se vivo fosse estaríamos levantando o cálice a estes 90 anos. Cálice, que sugere muitos sentidos, desde o sagrado aos extremos da dor.
Mas estaremos tão seguros do emprego desse “era” em relação ao legado de Nathanael? Presumo que não.
Em dia desta semana, indo queixar-me a Dr. Manuel Jaime Xavier, não das mazelas comuns, mas do ermo a que estes 90 anos vêm me deixando, sem um papo comum em afinidades, razão única de estar ali, fim de tarde, roubando o tempo de algum cliente... Ele sai da cadeira do médico e vem sentar-se ao meu lado. Eu precisava vê-lo, apenas isto. Falamos das perdas comuns, Martinho entre elas, e do vazio que as afinidades presentes não podem preencher. Há o amor da família, a consideração, no meu caso, de duas gerações sucessivas, mas falta a contemporaneidade, a vivência dos que embarcaram e afinaram conosco por quase toda a vida. Daqueles que repartiram conosco a luta pela afirmação na vida ou neste planeta incerto e jamais entendido. E pela vida dos outros de amizade menos extremada ou de amizade nenhuma, como lembra Nathanael Alves, ainda vivo naquilo que plantou, trazido ali para a nossa conversa, espontaneamente, por um médico tocado de outros saberes e sensibilidades além da especialidade.
Decorrido o tempo de duas gerações de jornalistas, entrando para a terceira, Nathanael continua a nos fazer companhia. Como A União é o jornal que resta como documento vivo, vamos encontrá-lo num álbum novo não somente como o jornalista que, na sua modéstia, fazia inveja aos mais desenvoltos e que fez da crônica um ideário sutil de missionário do bem comum.
José Nunes, ao escrever-lhe a biografia, soube colher, como epígrafe de cada capítulo, as pequenas homilias que se aproveitavam da crônica de Nathanael para transcender além do efêmero. Podiam se aproveitar da crônica ou mesclar o texto do editorial sem assinatura. Quem diria melhor que ele nesse exemplo de barbárie que Israel e seus aliados apresentam aos indefesos do cenário de hoje?
“É uma pena que a humanidade não consiga manter-se equidistante dos extremos. É uma pena, porque a tendência para a radicalização só a conduz a uma infelicidade cada vez mais planetarizada, a uma angústia cada vez mais dolorosa.”
Telhard de Chardin, uma de suas leituras, não diria diferente. Creio que pôde se expressar bem mais profundamente com o que trouxe de si ou herdou da pobreza e da própria Arara, sua terra natal.
“Ah, eu desenhei corações lancetados na casca desses juazeiros, e fiz versos no barro desses caminhos que elas não leram. (Elas) as estrelas deste meu céu não eram as vulgares estrelas da astronomia; eram olhos de meninas que nunca souberam dizer e que, como as ilusões que se perderam na estrada, também se perderam na (mesma) estrada, também se apagando na noite. Não há quem faça eu me mudar daqui.”
Volto a repetir: “Não era militante de nenhuma religião, no entanto cumpriu todos os mandamentos, inclusive o de amar a Deus pelo amor aos outros. Resignava-se diante de todas as dores, mas se rebelava contra as dores de qualquer injustiça”.
Morto de longo e doloroso sofrimento culminado numa sessão de hemodiálise, desceu da cruz com a mão deitada suavemente no rosto da filha Rosângela, ali ao seu lado, e quarenta e três anos depois ao levar minha queixa de solidão a um dos raros amigos.