Em um invólucro, para proteger-me de mim e do mundo, sou incoerente: não quero tamanha proteção. Que o mundo me afete, mas não me faça perder o afeto. Talvez já seja um tanto tarde demais, mas ainda me resta um pouco de delicadeza. E eu vou entre contrações e descontrações. A cada dia me (re)parto na ávida busca pela unicidade. Antes, ser plural. Mas meu corpo se desencontra da minha alma.
Esta pede calmaria; aquele clama por movimento, compromissos e a agenda cheia.
Preciso aprender a conduzir meus anseios, minha extrema vontade de fazer passado, porque tanto almejo o futuro. Aprender a me desarmar diante dos desacontecimentos, porque sempre há algo implícito em cada texto e eu, às pressas, não consigo vê-lo. São valores que transcendem o inacabado que há em mim.
No templo do tempo há uma logística que não assimilo: não adianta ser como um rio porque estamos em períodos de seca. Deixamos ressecar nosso amor quando o orgulho deveria se evaporar. Agora “pretendo descobrir/ no último momento/ um tempo que refaz o que desfez/ que recolhe todo sentimento/ e bota no corpo uma outra vez”.
Mas o corpo fenece. Amor não deve ser posto no corpo porque senão enruga. É no mais recôndito de nós que o mistério sobrevive. Corpo é sagrado e a fé se mantém à socapa como semente que promove o milagre da ressurreição dentro da terra. Será esse o motivo de sermos enterrados quando morremos? Há quem se aterre ainda em vida...
Sou eu e meu açoite. Sou eu fazendo noite durante o dia, construindo cercas quando deveria edificar pontes. Quero uma nova forma para esta realidade: emolduro-me para durar. Para tanto, preciso do auxílio das palavras. Com sua mística, vou transformando o mundo a partir de uma lógica que nenhum dicionário pode assimilar. O verso e o reverso. A cena e o aceno. Faz-se necessária a simbiose entre aquilo que sei e o que a poesia tenta revelar.
Vou seguindo rios, mas meu amor é riacho. Se não fosse a poesia, eu já teria fenecido por saber o quanto estarei debilitado pelo tempo e pelos desamores que (des)comportarei. Que as cicatrizes me lembrem da capacidade de regeneração e que agora a carne está mais difícil de ser cortada. Sangue pra que te quero! É preciso essa sangria – ainda que queira retornar à infância e incorporar a figura do herói; aquele que não teme os obstáculos, o invencível.
Sob a guarda dos símbolos professo minha liturgia diária. Atento aos sinais, lutando para deles não ser refém. Por mais que se condene a mesmice, é nesta que encontramos guarida. Ah, mas eu prefiro o labirinto, o segredo e a novidade. Quebro a cabeça, recolho os meus pedaços, faço o meu mosaico, construo a minha casa e tento me habitar. Preciso viver confortável em mim mesmo.