POEMAS DO LIVRO “SONETOS EM CRISE” (Editora Mondrongo – 2019) Nota do autor Crise do soneto ou crise do poeta? Falamos da imp...

O Estalo da Palavra (XVIII)

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POEMAS DO LIVRO “SONETOS EM CRISE”
(Editora Mondrongo – 2019)

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Nota do autor
Crise do soneto ou crise do poeta? Falamos da imperfeição métrica, da inacurácia do esteta ou da pobreza técnica?
Impor-se a necessidade das formas fixas, de por “amarrados” os versos que se firmaram como libertos ao longo dos anos de produção poética – este o objetivo do poeta.
Traduzir a crise do homem do século XXI por meio do soneto será nacronismo? Não creio.
Os temas se repetem, recorrem no disco rígido da memória, da história, se refazem e impõe a necessidade da experimentação.
O tempo se renova em ritmo compatível com o espasmo e a necessidade aflora como alternativa à extinção.
E algo acontece.

 
SONETO SEM TETO
O tédio faz brotar o Eu perverso, nos cantos esquecidos dos escombros, e da sombra, o rugido do universo surge na boca imensa do ser manso. Pois se o calor emana da tristeza, e a paixão é pólvora do selvagem, o sopro faz tremer a chama acesa, e a urgência é a medida da voragem. E nada sobra que se preze e guarde àquele ser que se debate firme contra uma vida que esmaga e late. Resta o engate ao cerne da maldade, sem esperança, se atirar ao crime, e ser centelha no porvir da tarde.


TERCEIRA MARGEM
Para Flávio Viegas Amoreira A terceira margem, fundo do rio, aguarda, sob as águas, cada corpo que pesa e se desprende em voo tardio tal sonho derramado por um sopro que faz pesar as pernas, os embustes, esfacelar espelhos, cortar pulsos, rogar com desespero por abutres de voo carniceiro sobre os justos. E se de tanto nada faz-se o vulto que tomba do lajedo, da encosta, se faz estranho o peso, absurdo o baque sobre as águas maculadas, é que há um segredo em cada bruto, levado para o fundo da jornada.


O CORADOURO ETERNO
O mais é esta pressa interrompida pelo abraço apertado da tormenta, na engrenagem que faz fluir a vida, que traga corpo e tempo na sarjeta. Mas a luz, que rompe as nuvens convictas, jaz corando a réstia do que foi presa de si para si, predador e vítima do extinto céu, e se tornou soberba. E o curtume divino ressentido, do rebanho que se danou no Mundo conta as perdas das reses que, perdidas, romperam cercas, bem a esmo, imundas de desespero retinto, suicidas, buscando espaço nos varais da culpa.


SONETO EM CRISE
O perdido, traz a marca na testa, esboço do nome, falso retrato, um corno - caligrafia da besta -, revolta e um perfil de semblante amargo. A fala que se esforça em verso, ofensa, um desmentir inútil do absurdo que transpassa o ser fútil e enlaça a criatura com seu silvo agudo, é um fruir da morte, certeza amarga, disfarçada em hóstia, na boca posta do infiel na catedral, mãe das gárgulas, pois ser temente à Deus é fuga justa ao que nega à morte sua carne e alma e segue, hipocondríaco, em meio a turba.


AUTISMO
Para Josina Drumond Derrame-se, lambuze-se no espaço, esvazie seu deserto de perdas neste simulacro, falso regaço, mas deixa nas margens alguma prenda. Sei que o verso, este destemido invalido, guarda a casca a se desprender da pele de um corpo forjado em febril acaso imberbe e sem rumo, a purgar de febre. O crime imperfeito, toda essa farsa da imensidão do Mundo sobre o olhar alienado, despejado nas páginas é a forja que lhe cabe, a tragédia na linhagem eterna dos poetas que flertam o ocaso da matéria.


DE PROFUNDIS
Homem não é centro, é mundanidade, mas impregna a terra, frágil promessa estendida aos pés, que com toda pressa, enche de verbo e pó o céu - miragem. Queda-se o bom, o mal, deus e o diabo, desaparece o homem, fruto do espaço, e a sentinela desperta o mormaço da aurora que espreita o pecado, pois cada súplica, lamento, oferta, resta incógnita nas ramas da tarde, que não acoberta o erro, a empáfia dos salmos e os apelos dos covardes que surgem e se insurgem nesta Terra, desfrutando da essência do milagre.


A CAMA POSTA
E quando se derrama a luz, a morte ─ transe absoluto ─ se veste de luxo, e, portentosa, impõe ao ser, a noite pensa nos dias do forte, que ruge, por temer o fim, esse açoite imposto, o desfolhar dos sonhos desmedidos, o remover das vendas frente ao poço onipresente e fundo - o abismo. A vida é inventada, aritmética, verdade abduzida da matéria, que tem por fecho a morte, uma pantera. A morte, criativa, essa comédia, segredo ao pé do ouvido do ausente, na cama posta, despido e sem rédias.

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