Deixar a terra natal é experiência de desafio e encanto, escolhas dolorosas e adaptação. Para sobreviver, é preciso afastar um pouco os olhos das saudades, das paisagens familiares, dos sabores gravados na memória.
Mudar para a California foi como nascer novamente, reaprendendo sutilezas do convívio social, interiorizando o ritmo da natureza e novas cores. Em mim já habitavam a exuberância úmida da Amazônia e a aridez do cerrado.
Aprendi a reconhecer e amar colinas ondulantes, florestas de sequoias e praias banhadas pelo Pacífico. Tal beleza se infiltra na gente. A princípio, eu a via com olhos de turista. Estava distante de mim. É natural. Na terra natal cada cenário guarda uma lembrança. Já o novo ambiente é tela em branco, esperando para ser preenchida por novos significados.
Eles vieram. Ontem me dei conta enquanto o carro percorria a estrada serpenteando entre as colinas cor de ouro. Nenhuma nuvem no céu azul claro neste fim do verão. Azul e dourado, dourado e azul. Agora tudo é tão familiar quanto a Amazônia e Brasília. Ao ver as árvores de ginkgo já mudando de cor, sei que logo estarão douradas, combinando com os vermelhos e ocres do outono. Desde que aqui cheguei, meus textos se impregnaram de dourados. É um sinal.
Antes acariciava árvores brasileiras. Agora também sei a textura de pinheiros, sequoias e bordos. Da mesma forma, aprendi a viver com humanos muito diferentes de mim. A California é um mosaico de culturas e histórias que me enriquecem. Eu as recolho diariamente nos sabores, sotaques e rostos vindos de todos os continentes.
Califórnia Sonia Zaghetto / Maggi Whiston
À medida que o tempo passa, tornam-se parte de minha nova identidade. As colinas antes longínquas hoje são parte do meu horizonte interno, as papoulas douradas misturam-se às lembranças dos jardins de minha mãe. O desconhecido se tornou familiar, e com isso, surgiu uma nova forma de pertencimento. Demorei a dizer “eu te amo” para a Califórnia. Digo-o, agora.
Seja bem-vinda ao meu coração, terra bonita.