Tudo começou à época em que eremitas viviam em um monte chamado de “Tumba”, banhado e abraçado pelas marés cheias, quando se tornava uma ilha, e lá ergueram duas capelas dedicadas aos mártires cristãos Santo Estêvão e São Symphorien.
Depois de fundarem um pequeno mosteiro, um dos monges tem um sonho no qual lhe aparece o arcanjo São Miguel pedindo para que construíssem ali, em cima do grande rochedo, uma igreja em sua homenagem. Assim, o monte terminou se chamando Saint-Michel, onde, por muitos anos, serviu a um mosteiro beneditino.
A beleza do local e sua vocação religiosa despertaram o interesse dos duques da Normandia que passaram a enviar muitas doações para subsidiar a construção de nova edificação em dimensões maiores e estilo mais romântico.
Após desabamentos e dois grandes incêndios, o monumento é restaurado e ampliado, complementando-se com várias outras edificações que foram se agrupando à medida que a população habitante crescia, tornando-se uma pequena vila. O acesso ainda se fazia de barco, quando o mar enchia; e a pé, quando a maré secava, já que a variação entre a preamar e maré baixa atinge, naquela região, cerca de 12 metros.
Em seguida, mais elementos arquitetônicos, a exemplo da torre central e outras menores, foram pouco a pouco adicionados, assim como um complexo monástico, na parte sul. A localização estratégica e incomum beleza despertaram muita cobiça, não somente entre os próprios monges e abades, mas também entre outros países que o quiseram tomar da França, sem sucesso.
Apesar da arquitetura conter traços de seus vários períodos históricos, percebidos desde a base, muralhas, movimentadas fachadas e torres, o estilo gótico terminou marcando acentuadamente o seu perfil.
Os encantos do mundo se voltaram para este peculiar emblema da Normandia e Bretanha, e hoje são milhões de visitantes e peregrinos que para lá se dirigem, ávidos por se deliciarem com sua beleza e imponência. Por isso foi construído um istmo que possibilita o acesso independente da variação do nível do mar.
Por fim, o arquiteto Victor Petitgrand dota o monte Saint-Michel de um pináculo neo-gótico, com uma imagem do santo, ao tempo em que outros arquitetos renomados são contratados para restaurar a abadia, que hoje é um belíssimo, grandioso e monumental Patrimônio da Humanidade, visita imperdível para quem aprecia a arquitetura pelo mundo.
Dali pertinho, vale uma visita à vizinha Saint Malo, onde cenas e mais cenas de história, arte, cultura transcorrem pelos olhos e memória de quem se dispõe a caminhar pelas vielas da decantada fortaleza. Traços e marcas da vida bretã dali emanam há centenas de anos, nos becos, tabernas, creperias, galerias de arte e quiosques de produtos regionais convidando a sentir mais de perto o sabor desta adorável parte da França.
Qualquer fama de antipatia que algum turista tenha guardado dos franceses se desfaz imediatamente ao pisar na Bretanha. A simplicidade e a robustez de caráter que simultaneamente tipificam a influência de suas vertentes – gaulesa, corsária, celta e romana —, conferem aos simpáticos bretões a certeza de seu valor humano. Sem necessidade alguma de se sentir superiores.
Talvez porque já saibam intimamente que são privilegiados com paisagens estupendas, marítimas, terrestres e celestes. Com inúmeros vilarejos a compartilhar admirável qualidade de vida e moradia, à borda de um mar imenso, que, através da grande variação das marés, está sempre a lhes ensinar que a vida também tem seus altos e baixos.
Há entre eles a noção de uma história que, entre perdas e conquistas, perpetuou-lhes um patrimônio invejável e tantas vezes cobiçado. O monumental Mont Saint Michel, que a muitos povos, outrora, em vão, interessou tomá-lo, continua lá, despontando majestosamente no horizonte como registro de sua vitória.
Na esquina seguinte, com as fachadas da citadela brilhando ao crepúsculo que chegava, ouvimos o som de um órgão escapar pela porta de uma velha igreja, para onde nos dirigimos hipnotizados.
Ao entrar e ver a magia que reluzia dos vitrais, mesclando-se com o sentimento de religiosidade e a beleza da sonoridade musical, veio-nos aquele desejo de não mais sair dali. Tal qual fora sentido pelos apóstolos Pedro, Tiago e João, ao verem Jesus se transfigurar no Monte Tabor, na presença de Elias e Moisés, quando sugeriram armar três tendas e de lá nunca mais descer...