Rendo aqui minha homenagem ao amigo Derly Minervino de Carvalho, que já partiu, e que me contou essa historieta deliciosa.
No começo dos anos 1950, a cidade de Misericórdia, hoje Itaporanga, levava uma vida que fluía mansa como as águas do Rio Piancó. Abraão Diniz era o prefeito. Homem bom, benquisto, de poucas letras, porém honesto , e muito preocupado com o bem-estar dos cidadãos e com o desenvolvimento da cidade, que sofria a concorrência de Piancó, então a mais pujante do Vale.
A cidade crescia devagar, afastando-se lentamente da vilazinha que era até a década de 30. Em 1930 tornou-se respeitada por ter sido uma das poucas cidades que conseguiram resistir ao cerco do cangaceiro Zé Paulino, “cabra” do coronel Zé Pereira que espalhou o terror pelo Alto Sertão, durante a Revolução de 1930.
Nem tudo era manso na cidade, todavia. Qual um tumor inflamado, crescia latente um sentimento de ódio e vingança entre as damas da sociedade local. O motivo, muito forte por sinal, era justamente uma consequência do desenvolvimento de Misericórdia. Acontece que a cidade cresceu muito e “engoliu”, fagocitou o cabaré, que de repente se viu dentro do perímetro da cidade, para desespero das damas da sociedade.
E para dor de cabeça do prefeito, que já não aguentava mais a pressão das mulheres da alta sociedade, principalmente as Zeladoras da Matriz, para acabar com o cabaré, expulsar todas as mulheres da vida, varrer aquela chaga da cidade, pois era uma falta de respeito, uma afronta a todas elas, à moral e aos bons costumes. E, cá pra nós, eram também fortes concorrentes.
Muito preocupado, Abraão Diniz reuniu certa noite os homens da sociedade, inclusive o juiz, o delegado, o padre, todos com profuuundo interesse no assunto, para juntos chegarem a um bom termo, de tal forma que não perdessem suas respectivas. Nem as de cá nem as de lá.
Consulta um, fala com outro, e terminaram chegando a uma solução. Tio João Silvino, pai de Zé Silvino, doaria uma roça que tinha do outro lado da rodagem, para construir um novo cabaré. Os demais entrariam com dinheiro ou material necessário. E estaria tudo arrumado, para o bem de todos. E de todas, também.
O prefeito contratou, então, um bom mestre-carpinteiro, pois nesse tempo não havia engenheiro nem arquiteto por lá pelo Alto Sertão. E deu a ordem para construir o novo cabaré. Homem prático, profissional de mão-cheia, papel e lápis na mão, o Mestre perguntou ao prefeito:
– Como o Sr. quer o cabaré?
O prefeito pensou, coçou a cabeça, e disse:
– Ora, quero que seja um cabaré como todo cabaré: uma fachada com janelas; porta principal dando para um grande corredor; muitos quartos de um lado e do outro; e com o corredor terminando dentro de um salão, para os homens beber ginebra e jogar baralho. E para as muié dançar umas com as outras (nesse tempo homem que é homem num dançava, não!).
O mestre anotou tudo. E perguntou:
– Qual o tamanho do salão?
O prefeito pensou, pensou, e respondeu:
– Faça grande o suficiente pra Pitanga e Balduíno frequentarem sem trocar tiros.
O Mestre fez as anotações, calculando as medidas, transformando tudo em pés e polegadas, pois estas eram as medidas da época. E perguntou novamente:
– Qual a altura do salão?
O prefeito caiu na gargalhada.
– Faça alto suficiente pros homi num ingalharem os chifres! – ordenou.
Sem perder a seriedade, pois era um profissional respeitável, o Mestre anotou tudo. E fez mais uma pergunta:
– Prefeito, qual a largura do corredor?
Abraão Diniz era um homem prático, porém não gostava de perguntas difíceis. Coçou a cabeça, olhou prum lado, olhou pro outro, e respondeu abusado, para encerrar o assunto:
– Homi! Faça da largura de dois homens brigando, ora bolas!
Pano rápido.