O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia Porque o T...

Minha maria-sem-vergonha

flores vinca maria sem vergonha
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia
Fernando Pessoa

Rafael é o faz-tudo da rua onde moro. A torneira não fecha direito, chama o Rafael. Remendar um reboco e aplicar tinta por cima desse curativo só ele mesmo para fazer o reparo com tanto capricho. Quem cuida das plantas quando viajamos? E dos bichos de nossa estimação se estamos ausentes? Enfim, esse moçoilo nos socorre das goteiras à fiação que desencapou e está ameaçando um curto circuito. Um verdadeiro especialista em solucionar aquelas pendengas que nos tiram do sério e não temos a mínima vontade ou mesmo competência para resolvê-las. Eu mesmo, cá entre nós,
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Salles
não domino tecnologia suficiente para trocar uma lâmpada. Então, Deus (só pode ter sido Ele) colocou Rafael nas imediações, em nosso caminho, por assim dizer.

Noutro dia, uma atitude desse nosso socorrista chamou-me a atenção. A calçada de minha casa, entre o muro e o meio fio foi composta de placas de granito. Com o tempo, o rejunte entre essas peças vai se desgastando e a natureza começa marcar presença. Logo aparece a tiririca seguida de outras ervas daninhas que vão se proliferando entre as frestas que aparecem. Minha mulher chamou-me atenção de que essa ocorrência empresta à casa ar de abandono e exigiu-me providências. Minhas que não seriam. Chamei Rafael.

Água com vinagre, detergente e sal é uma mistura mortal. Essa química caseira borrifada na vegetação a faz secar em menos de cinco dias. Foi o que recomendei. Mas não, o meu ilustre contratado para essa missão resolveu tirar essas invasoras pela raiz e o fez usando algum instrumento que não conheço. Quando retornei à tardinha de algum compromisso que me tomou o dia, a tarefa estava devidamente realizada. Minha calçada estava uma belezura e com muita autoridade, mostrando que ali na residência, diante dela e da rua, tem gente morando.

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Salles
Não sobrou nenhuma plantinha ameaçando rebrotar. Tirou todas. Todas? Todas, não, Exceto uma. Bem no cantinho da calçada, onde esta tem o meio fio rebaixado para entrada de veículos, sobrou uma. Bem no cantinho mesmo, fora do alcance dos pneus, quando entro ou tiro o carro da garagem. Lá estava ela, toda imponente e faceira. Era uma maria-sem-vergonha de cor encarnada toda prosa da vida. Uma lindeza. Por que não tirou? Perguntei a Rafael e ele me respondeu: Porque ela é danada de bonita. Foi o que ele disse.

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D. Stang
Maria-sem-vergonha tem um nome científico muito imponente: Impatiens walleriana, e é uma planta nativa da África Oriental e se deu muito bem por aqui. Tenho uma paixão por esse exemplar exótico que se espalhou por nossos jardins de Norte a Sul. Ela me faz lembrar que a natureza está impregnada de números e tem uma cumplicidade muito especial com os ímpares. Deles, o predileto é o cinco. E a maria-sem-vergonha gosta de exibir esse chamego. A danadinha tem invariavelmente cinco pétalas, cada uma delas se assemelha a um pentágono e estão simetricamente dispostas. Essa simetria chama-se pentarradial. Então, essa florzinha tão singela que brotou em minha calçada não é especial?

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Ellen
Depois dessa conversa com Rafael lembrei-me do poema que está como epígrafe desta crônica. E dando uma espiada em minha (já tomei posse) maria-sem-vergonha, vieram-me à mente rosas camélias, lírios, cravos, crisântemos, jasmins... e como há flor bonita e cheirosa por aí!

Meu pensamento andou viajando pelas hortênsias de minha Campos do Jordão, pelas acácias de minha Parahyba do Norte. Fui longe, até às tulipas de algum jardim holandês. Como são deslumbrantes esses jardins. Foi então que meus devaneios deram uma estancada. Não teve jeito, minha alma se inquietou e resolvi, mesmo que em pensamento, defender minha mariazinha. Que bobagem a minha de buscar comparações mundo afora. Minha maria-sem-vergonha está ali, quietinha, linda que só. Não incomoda ninguém.

Então, vamos lá, as flores de um jardim holandês podem até ser mais belas do que minha maria-sem-vergonha. Mas as flores de um jardim holandês não são mais belas do que a minha maria-sem-vergonha, porque qualquer flor de um jardim holandês não é aquela flor que brotou na calçada da minha rua. E não é assim?

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  1. Bela história, flor linda e delicada.

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  2. Muito lindo 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼

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