Acabo de ler Rita Lee: uma biografia (GloboLivros, 2016), já em sua 17ª impressão. Consta-me que teria já vendido, contando todas ...

Menina Veneno

rita lee roberto carvalho
Acabo de ler Rita Lee: uma biografia (GloboLivros, 2016), já em sua 17ª impressão. Consta-me que teria já vendido, contando todas as edições, mais de 400 mil cópias, o que é um estrondoso sucesso editorial, aqui, em terras tupiniquins.

A primeira vez que vi essa espevitada criatura foi pela telinha em 1967 no festival de música popular brasileira promovido pela TV Record. Ela, à época, fazia parte de “Os Mutantes”, com Sérgio Dias e Arnaldo Baptista. Estavam presentes para acompanhar Gilberto Gil em “Domingo no Parque”. A canção com o arranjo do maestro Rogério Duprat foi um divisor de águas na história de nossa mpb, onde até então guitarra, nem pensar.

Na apresentação lá estava ela de pandeiro (ou algo parecido) à mão e um coraçãozinho desenhado na bochecha esquerda. A música ficou em segundo lugar, perdeu só para “Ponteio” de Edu Lobo, mas a loirinha sapeca dos Mutantes estava predestinada a ficar em primeiro lugar no coração de muita gente.


Ao vivo só a vi uma vez, lá pela metade da década de 1980. Nessa época eu lecionava em uma rede de ensino que promoveu um festival para despertar o talento musical da moçadinha. Aconteceu no Ibirapuera lotado de gente e eu lá. Ônibus das grandes cidades do interior paulista e até de Goiânia e Brasília. Assim de gente. A plateia, meio que dispersa, até que anunciaram a atração da noite: Rita Lee. O que vi, não creio que algum dia ainda verei. A danada colocou fogo no coração da meninada. Ninguém sentado e todo mundo chacoalhando o esqueleto. O que vi foi uma multidão lavando alma. Em êxtase, eu diria que uma catarse.


Dela fui sempre um admirador, digamos, moderado. Apreciava a ousadia das letras como “Me deixa de quatro, no ato. Me enche de amor”. Muita audácia dessa moçoila que naqueles anos de chumbo teve muita coisa censurada, mas depois foi “soltando a franga”.

No livro de estreia desse escrevinhador aqui, comecei o primeiro conto com uma epígrafe da lavra desse casal de roqueiros: No escurinho do cinema/ Chupando dropes de anis. Admiração, ainda que discreta, mas era antiga.


É difícil não gostar da produção que ela assina com seu parceiro-marido Roberto de Carvalho. Aliás, essa paixão que perdurou até a morte da loirinha (que acabou se tornando ruiva) com seu guitarrista, arranjador, marido e mais algumas coisas, foi o que inspirou belas canções que tratam do amor, da paixão e do sexo de forma ousada, mas cativante. “Hay que ser atrevido, pero sin perder la ternura”. Agora o livro. Rita soube usar o coloquial e até arriscava alguns neologismos, mas nunca feriu a norma culta. Soube escrever como conversava e o livro fica parecendo que se está ao lado dela enquanto se ouve os bons causos que nossa interlocutora tem para contar.

rita lee roberto carvalho
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Não poupou alguns desafetos e tratou com imenso carinho quem lhe presenteou com delicadezas. Não poupou nem a si mesma, as drogas, as internações e até uma prisão devidamente armada contra ela.

Quem ao vê-la num palco, como se diz, desencanada, muito à vontade pode imaginar que essa criatura, ainda pequenina, foi encontrada sangrando com o cabo de uma chave de fenda introduzida em suas intimidades? Pois essa mulher sofreu esse abuso traumatizante e mesmo assim fez de sua vida um exercício de superação, Foi anjinho de cabelos loiros até a cintura e olhos claros sobre um andor em procissão, foi mãe afetuosa, gostava de bichos e sabia plantar rabanetes. Um amor incomensurável pela mãe, pelo pai, por quem vivia no seu entorno.


Não tenho a pretensão de apresentar aqui o livro de nossa roqueira número (estou só fazendo reclame) e se o fizesse, não iria transcrever detalhes. Fazer isso é tirar de quem está me lendo a curiosidade de depois ler a obra que está sendo comentada. Só afirmo que vale a pena ler. Uma delícia de leitura. Mas...


Foi triste vê-la definhando nos seus últimos dias, A bela mulher que eu costuma ver ficou parecendo comundongozinho triste e assustado. Não quero me lembrar dela assim. A imagem que quero guardar é de vê-la cantando: “Que tal nós dois numa banheira de espuma/ El cuerpo caliete, um dolce far-niente/ Sem culpa nenhuma/ Fazendo massagem, relaxando a tensão/ Em plena vagabundagem, com toda disposição/ Falando muita bobagem/ Esfregando com água e sabão.

Valeu, Rita. O país que já está esquisito. Sem sua irreverência e alegria está quase insuportável.

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  1. Um reclame que é uma emocionante homenagem à saudosa e genial "ovelha negra da família". Parabéns, Paiva. Francisco Gil Messias.

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