O uso inadequado da tecnologia contra o bem comum e a exploração perversa do sistema econômico na vida das pessoas estão destruindo princípios morais, levando à exclusão, discriminação e acentuando a competição destrutiva entre os cidadãos. A ausência de autocuidado resulta na desvalorização da dignidade humana em grande parte das pessoas. Diante dessa violência, é necessário examinar os efeitos desumanizadores que eliminam o significado da existência e do pertencimento.
A escritora, compositora, cantora e poetisa brasileira Carolina Maria de Jesus (1914-1977), em sua obra Quarto de Despejo, afirma:
“A vida é igual a um livro. Só depois de ter lido é que sabemos o que encerra. E nós, quando estamos no fim da vida, é que sabemos como a nossa vida decorreu. A minha, até aqui, tem sido preta. Preta é a minha pele. Preto é o lugar onde eu moro” (1960, p. 160).
Carolina Maria de Jesus Arquivo Nacional
A voracidade que dá significado à vida se dissolve quando as angústias existenciais são influenciadas pela desigual distribuição de renda entre os cidadãos, gerada pela ganância e escassez que compromete a essência vital à vida. Isso resulta em um desequilíbrio econômico que beneficia uma elite detentora de poder financeiro e de riquezas materiais, o que ameaça aumentar a violência e a loucura entre todos. Uma das repercussões disso é a sedução exercida pelas mercadorias de consumo, que impõem o ódio como um estilo de vida superficial e promovem a degradação dos valores morais, tornando-os descartáveis. Entre esses valores, destacam-se o respeito, a identidade e o senso de pertencimento. Consequentemente, o conjunto dos sintomas das doenças sociais se enraíza no mal-estar trágico dos cidadãos.
Carolina Maria de Jesus
Arquivo Nacional
Arquivo Nacional
Finalizo com o poema “Eu-Mulher” de Maria da Conceição Evaristo de Brito (1946). Ela é uma linguista e escritora afro-brasileira,
Uma gota de leite
me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
me enfeita entre as pernas
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.
Eu-mulher
em rios vermelhos
inauguro a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.
Antes-vivo.
Antes – agora – o que há de vir.
Eu fêmea-matriz.
Eu força-motriz.
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-contínuo do mundo.