Foi no teu setembrante que me outonei. Primaverei. Submeti-me a uma fidelidade que determinou o teu mundo, mas sem escravizá-lo. ...

Estações que não estacionam

primavera outono estacoes
Foi no teu setembrante que me outonei. Primaverei. Submeti-me a uma fidelidade que determinou o teu mundo, mas sem escravizá-lo. Não fui eu o fator de ilusão. A lógica é simples. A emoção é o complexo. Não há conflito naquele que põe o amor como regente. Nele tornei-me religioso. Outono é tempo de queda. Neste, o solo é adubado. Primavera é tempo ressurreto. Na morte o fruto se desprende em sementes. Num tempo em que as cigarras cantavam e trocavam as carcaças, eu ficava sob a terra gerando meu canto. Neste solo, espinhos cravaram meus pés. Meu caminho inflamado...

primavera outono estacoes
H. Cross, S.XIX, 1905
Agora, as raízes estão fincando através do reconhecimento dos meus limites. Estabeleço as bases. Nas folhas percebo o sinal dos novos ventos – nesses vão poluentes e os meus polens. Tenho sede e quero sol. Quero lua e garoa.

Soube de uma árvore que se fundiu à outra. Achei triste, porque não dava para saber onde uma começava e a outra terminava. Sou feito da junção de ramos, cada um no seu ramo. Das minhas mortizes faço as minhas matrizes.
primavera outono estacoes
H. Cross, S.XIX
Em mim as estações não se estacionam, vivem em transe traçando poesia. Quando chega o verão, tenho duas opções: ou me ofuscar com a luz; ou com o calor retirar minhas friezas. Inverno, ora congelo minhas imperfeições; ora agasalho minhas qualidades.

Tantas podas. E, mesmo parado, não paro de crescer. Será a tristeza infértil? A verdade é que um dia sou semente, noutro sou árvore. O que de mim brota? Vivo por saber. Dou minha sombra a quem quiser, contanto que não esqueçam que eu tenho raiz. E que não façam de mim excremento, pois já o sou.

Permitam-me que o nosso encontro seja frutuoso. Nos meus frutos todas as sementes são férteis, mas nem todo produto trará garantia de algo bom. Dependerá das suas mãos. Ponha-as no chão, com calma, bata a terra, deixe o céu aberto. Estar num topo de árvore não garante a docilidade. O tempo não cura nada. E não existe desamor, nada é mais que indiferença, uma diferença transmutada.

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H. Cross, S.XIX, 1908
Por que o amadurecimento deve vir com o fenecimento? Não poderia manter a minha jovialidade me estendendo a cada retomada do sol? Cresço mais à noite? Meus dias são de boemia? Frutifiquei velho, porém não tarde. O sofrimento é assim: feito flor que se despetala ao vento. Estou experimentando o “coração da Primavera e o dom secreto do seu sangue verde”, sugerido pela poeta Cecília Meireles. Como música de fundo, os bem-te-vis que mal vejo. Os beija-flores que não se beijam; estão martelando a crosta das minhas pencas. Uma dupla germinação vale uma.

Um rio. Um riso. Isso sem nascedouro. O mesmo rosto diante da morte ou vida. Espinhos são setas que apontam meus defeitos. Lembro-me do cheiro de chuva, perto da Lagoa. O corpo colado em si mesmo, toque. O refúgio. A sensação de que nada secaria o nosso amor. Comendo lírios para ter lirismo. Do pó vim e ao pó regressarei.

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  1. Anônimo4/9/24 07:03

    Mais um poema em prosa, Leo. É assim que vejo e sinto seu belo texto. Tão sentido e tão verdadeiro. A dor de viver e de amar traduzida poeticamente, literariamente, como não poderia deixar de ser, sendo o autor quem é. Estarei certo em pensar no jovem Werther goethiano quando leio seus textos, caro amigo? Parabéns. Francisco Gil Messias.

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  2. Anônimo5/9/24 06:22

    Ótimo texto! Todos temos as nossas próprias estações. Parabéns ! Denise Carvalho

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