Custa compreender como pessoas cultas e de sensibilidade para as vicissitudes da condição humana se agastem com programas sociais adota...

Está faltando um novo Celso

injustica social desnivel agricultura
Custa compreender como pessoas cultas e de sensibilidade para as vicissitudes da condição humana se agastem com programas sociais adotados num país com dívida cinco vezes centenária a um povo que nasceu igual e foi encontrado plantando e colhendo com deveres e dádivas pacificamente iguais. País verde com seus arranha-céus cercados de montanhas que servem de painel ostensivo para a mais profunda desigualdade social num mundo ultramoderno. Triste e perigosa miséria, seja às margens do nosso pequeno rio Jaguaribe, em cujo pico se adensam os andares de luxo, ou da belíssima e universal Baía da Guanabara. Lá, aos olhos do mundo; aqui afrontando o deslumbre do mais novo turismo.

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Favela Santa Marta Hmaglione10
Tal introito vem por conta de um trabalho elaborado por analistas insuspeitos do nosso Tribunal de Contas, com base em dados de 2020/22 e 2023 que, por mais que o objetivo seja o de apontar o desempenho da gestão pública ou identificar lacunas, nos deixa inconformados, para não dizer vencidos em nosso ativo de esperanças. Por mais longo tempo que se elejam prioridades e se assista e acompanhe a sucessão de planos e programas de desenvolvimento econômico e social, mais se mantém a distância entre o que alcançamos e o que almejávamos.

Alcançamos muito, sem dúvida. Hoje um flanelinha encaixado na exclusão ou no milhão que vive dos programas sociais (a Paraíba é o 3º lugar no país na proporção de domicílios recebendo Bolsa Família ou Auxílio Brasil), para esse imenso contingente sobra em seu favor o aumento extraordinário da produção de itens de baixo custo como o ovo, o fubá, o macarrão, o leite, o pão, nisto fazendo a diferença do
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Capital Paraibana Otávio Nogueira
Nordeste antes da SUDENE. Alie-se a essa conquista do nosso decantado desenvolvimento, a ampla e eficaz abrangência do SUS aliada ao desempenho do Estado, como deu prova o combate à epidemia do Covid: morremos menos que os demais irmãos regionais. Mas ao lado desse desempenho creditado ao esforço solidário das gestões do estado e dos municípios, vamos amargar a persistência de dados como este: segundo o IBGE “a Paraíba registrou um índice GINI de 0.558, acima da média nacional (0.518) e do Nordeste (0.517). O índice GINI, se é que alguém não sabe, mede a concentração de renda e a desigualdade econômica, sendo que valores mais próximos de zero indicam a maior igualdade.”

Isto nos leva a lembrar a efervescência das lideranças e sobretudo da juventude em formação no Nordeste dos anos 1960 engajadas na ideia de um visionário de Pombal mais que racionalista, como ele própria se definia, de reduzir os índices de desigualdade entre as regiões Nordeste e Centro-Sul do país. Além da pobreza histórica revivida a cada leitura do grande livro de José Américo, “A Paraíba e seus problemas”, a situação se agravara com a grande seca de 1958. É quando Celso Furtado larga a sede europeia dos altos e novos estudos que enfeixavam as teorias do desenvolvimento econômico e vem testá-las, com uma legião de técnicos, numa das regiões mais desiguais do mundo.

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Celso Furtado Arquivo Nacional
Valeu, sem dúvida, sobretudo em infraestrutura de estrada, de abastecimento de água, até mesmo de saneamento e de saúde pública. Há dez anos gritávamos ufanos: não há uma cidade sem luz na Paraíba. Nos dois últimos governos ficou difícil encontrar cidades, quase vilas, sem acesso ao eixo central. Cresceu o número de escolas, de matrículas, de equipamentos da voga, tudo coroado com a Universidade distribuída e redistribuída em vários campus regionais. Seguindo uma tendência universal, o estado quase inteiro urbanizou-se, esvaziando o campo das lavouras e da mão de obra humana. Há dois ou três anos subi a serra de Areia, enfiei-me por Pilões, contornei toda a Copaoba por vias brejeiras pavimentadas, todo esse vergel nativo de portas batidas e bueiros apagados. A alegação mais nova: com o Bolsa Família ninguém quer trabalhar. E que salário pagavam quando eles trabalhavam? A culpa, antes disso, era a legislação trabalhista aplicada ao campo, fechando o resto dos engenhos.

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Gonzaga Rodrigues Antônio David Diniz
Um dado surgido minutos antes de iniciar o texto: quatro dobradiças para o balcão da cozinha custaram-me, há uma hora, 14 reais; antes de chegar em casa me vendem na parada do sinal 5 cajus por 12 reais. O caju daqui, a dobradiça de São Paulo.

Está faltando um Celso Furtado que alie a nossa vocação agrícola ao empreendimento capitalista e faça voltar ao campo não mais o escravo do eito e da palha da cana, mas o milhão de cidadãos que hoje enfeiam social e politicamente as ribanceiras marginais de uma das cidades mais cordiais do nosso país.

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  1. Eduardo Jorge Bonates8/9/24 22:18

    Meu caro amigo Gonzaga, longe de mim questionar tão qualificado ensaio sobre Celso. Quero aqui apenas lembrar dois fatos de extrema importância entre Celso e a Paraíba. Como uma inteligência prodigiosa poderia muito bem tem ajudado a Paraíba. Mas não foi bem assim que ocorreu. Como primeiro superintendente da SUDENE, seus primeiros atos foram contra a Paraíba, encerrando a construção do açude de Curimatã, em Barra de Santana, quando cerca de 60 % das obras já tinham sido executadas. Ainda tentou acabar com o DNOCS, não fosse a intervenção do deputado Argemiro de Figueiredo logo no primeiro plano diretor. Não conseguindo seu intento, criou a CONESP, Cia Nordestina de Perfuração de Poços, como um órgão da SUDENE. Por fim, gostaria que alguém mostrasse alguma obra que tenha sido levada por ele para Ponbal, sua terra natal. Sem querer diminuir o brilho dele, no livro que estou terminando juntamente com o editor, Evandro Nóbrega, escrevo sobre a atuação do Deputado Plinio Lemos enquanto relator do segundo e terceiro planos diretores da SUDENE.

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