Transpareço pelas esquinas e ruas como uma nuvem flutuante, ou um cão dono da própria vida que é atraído pelo cheiro da co...

Esquinas esquecidas

joao pessoa paraiba centro historico
Transpareço pelas esquinas e ruas como uma nuvem flutuante, ou um cão dono da própria vida que é atraído pelo cheiro da comida, a abelha conectada pelo néctar das flores a sugar vida. A cidade velha me atrai. Faz mergulhar nas histórias. Em outros instantes me afoga nas vivências de anos partidos. Ela me agarra na revisita das marcas visíveis e conceituais das suas paredes e monumentos.

O passar por cada dobra de rua garante reencontros. Estão nos santos parados a séculos em imagens de pedra e barro em recantos de igrejas que miram cada (in)fiel que atravessa a vida da cidade velha. Também se movem pelos túneis e viadutos que ligam à Descida da Padre Meira e é caminho à Praça Antenor Navarro em céleres borrões motorizados e apressados que se trocam com os anos.

joao pessoa paraiba centro historico
Capital Paraibana (1920) @paraibadopassado
Imagino viajar por outros olhos nos velhos bondes que custavam cem réis gritados no ponto que virou marco. Os trilhos hoje jazem sepultados pelo asfalto. E sigo as carroças puxadas por cavalos e burricos pelas ladeiras da Borborema e de São Francisco. Vejo os negros escravizados suarem carregando o fardo do mundo às suas costas. O sofrimento molda a história e está do lado das flores.

Escuto os gritos de agitação das tropas em revoltas. Em marchas dos meses que balizaram 1817 em sonhos republicanos rendidos no Mosteiro de São Bento. E ainda os tumultos pelo tiro disparado em outro estado nos idos de 1930.

Da Casa da Pólvora aprecio a vista, mas sei que ali se portavam canhões vigilantes de olho no rio, estrada para o mundo e tantos invasores. O golpe das naus inimigas subia pelas águas do velho Parahyba.

joao pessoa paraiba centro historico
joao pessoa paraiba centro historico
Ladeira São Francisco / Casa da Pólvora (PB) CC0
Ouço o pulsar da fala nos discursos políticos de eleições e rebeldias em praça pública. De estudantes e heróis, de políticos e agitadores quando ainda era o Largo do Colégio, a Comendador Felizardo e da Praça Felizardo Leite. As palavras ainda ecoam pelos cantos, antes de serem construídos os plenários das casas legislativas, quando por ali havia um belo prédio antes de ser ruído, a sede do Jornal A União.

Revejo as escandalosas casas de perdição das Rua Maciel Pinheiro e da Rua da Areia. Luzes baixas, fumaça de cigarros, andar de boêmios, âncoras de perdidos. Garrafas sob mesas se acumulam e a dignidade não entra ou é gritada no redemoinho da calmaria das horas das madrugadas. E passo por corpos em descanso de ontem e de hoje em portas baixadas de lojas, (des)protegidos sob marquises.

joao pessoa paraiba centro historico
Rua Maciel Pinheiro (PB) CC0
Piso o chão desnivelado pelo tempo de calçadas e ruas da cidade, onde passaram pé calçados de muitas emoções e desnudos de liberdade, construído com barro, cimento e sangue, por onde foram escritas páginas publicadas e outras tantas transformada em poeira pelas traças da própria memória enevoada. Pisos são repostos sobre pavimentos anteriores, compactando esquecimentos, como imagens esquecidas após o se virar uma esquina.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE

leia também