Nos anos 50 e 60, havia muitas livrarias em Campina Grande. A Livraria Nova, em frente ao Colégio Alfredo Dantas; uma pequena livraria, ao lado do Cine Capitólio, especializada nos livrinhos das Edições de Ouro; a Livraria Modelo (especializada em livros sobre música e partituras musicais), no Beco 31; a Livraria Universal, no Edifício Palomo, e a Livraria Cruzeiro, na Maciel Pinheiro, quase ao lado da Pedrosa. Mas nenhuma dessas livrarias tinha o espírito de livraria, se comparadas à Livraria Pedrosa, na esquina da Maciel Pinheiro com o Beco 31.
A Pedrosa era a casa do livro em Campina Grande. A livraria era um ponto de encontro de escritores e intelectuais de gerações anteriores à minha – pessoas como Nilo Tavares, Epitácio Soares, Átila Almeida, William Tejo davam sempre uma passada por lá, no final da tarde ou no sábado de manhã. Mauro Mota, Gilberto Freyre e Jorge Amado lançaram livros na Pedrosa. Os lançamentos da Globo (Editora de Porto Alegre), Martins, Civilização, Zahar, José Olympio, Melhoramentos, Fundo de Cultura, Saraiva, Difel e de pequenas editoras da época chegavam sempre aos balcões da livraria. Às vezes, quando a editora não era conhecida ou o autor não era famoso, chegava um único exemplar, e a sorte era de quem visse o livro primeiro. Para quem soubesse ver, aquelas prateleiras da Pedrosa se ofereciam como um curso de Letras sem diploma. Foi lá que adquiri O novo romance francês, primeiro livro de Leyla Perrone-Moisés; a Sociologia do Romance, de Goldman; Literatura e humanismo, de Carlos Nelson Coutinho; Formação da literatura brasileira e Vários escritos, de Antonio Candido, livros que nunca me foram indicados pelos meus professores de literatura da graduação. Para ficar com um exemplo inesquecível, lembro-me bem que em 1974, quando Bachelard era completamente ignoto nos cursos de Letras da Paraíba, lá estava, no balcão da Pedrosa, A poética do espaço, na primeira edição brasileira, da Eldorado, pequena editora que teve curta duração.
Antes mesmo de a Livraria Pedrosa fechar suas portas, as figuras que deram contorno humano e cultural àquela casa foram gradativamente se despedindo da casa, da cidade, do mundo. Nos seus últimos tempos, um pouco por conta do declínio da livraria, um pouco por conta do declínio ou da despedida de seus antigos freqüentadores, a Pedrosa, mantendo embora aquela aura de livraria tradicional que outra certamente jamais alcançará em Campina Grande, tinha um ar de retrato antigo, cuja imagem originária vinha esmaecendo no tempo, mas resistia, indelével, como espaço simbólico.
Flashes históricos da Livraria Pedrosa / João Pedrosa
Fonte: Fernanda Pires da Costa / UFCG
Nos últimos tempos de resistência da Livraria Pedrosa, já não havia nenhuma outra no Nordeste dentro dos moldes antigos de livraria. Mesmo a saudosa Livro 7, de Recife, de tantos serviços prestados à cultura regional e que certamente foi a maior livraria da região, não se enquadrava naquele modelo de livraria, parecendo mais um supermercado de livros. A Pedrosa não era um prédio qualquer que passou a ser utilizado como livraria – era o Edifício do Livro, uma edificação projetada e construída para ser livraria. Quem gosta de livros, de ambiente de livraria e conheceu a Pedrosa em seus bons tempos, sem precisar ter passado pelas antológicas José Olympio ou São José, tem uma idéia do que era uma livraria tradicional: um ambiente em que freqüentadores e livros compunham uma mitologia.
Fonte: Fernanda Pires da Costa / UFCG
Os tempos mudaram. Os shoppings atropelaram tudo o que era centro de cidade, obrigando os comerciantes mais abastados a abandonar o centro, e até os cinemas e as livrarias correram para os shoppings. No fechado e resfriado mercado persa que é um shopping, livraria nenhuma lembrará sequer a sombra do que era uma autêntica livraria, como a Pedrosa.
Quando a Livraria Pedrosa começava a evanescer, uma livraria começava a aglutinar alguns ratos de livraria: a Livraria Cultura, do velho Juarez.
Conheci Juarez através de Carlinhos, à época jogador do Campinense, ambos quase adolescentes – Juarez disputando uma vaga no meu inolvidável rubro-negro de Dão, Vavá e Erasmo (o fabuloso “time do Zepa”). Por mais que eu admire Juarez, por mais que tenha freqüentado a sua livraria, não posso dizer que a Cultura se aproxima da aura da Livraria Pedrosa (essa Pedrosa que há um certo tempo alcançou a intangibilidade do mito). No entanto, quando passava pela Getúlio Vargas, em direção à casa de Ariosvaldo, na sexta à noite, e via que a Livraria Cultura permanecia ali, em pleno centro da cidade, e que, na manhã seguinte, Urânio, José Mário, Edmundo Gaudêncio, Robson, Jovany, Vieira, Marinho, Virgílio Brasileiro, João Adolfo, Benedito Luciano e o irrequieto Aloísio estariam lá, falando alto sobre tudo, folheando aleatoriamente os livros que comprariam e os que não comprariam e, sobretudo, inviabilizando, com o seu converseiro incontrolável, o meu silente namoro com os livros, eu sentia que a Livraria Pedrosa, de alguma maneira, continuava ali.