Já ouviram falar de Modesto, a cidade da Califórnia? Nunca estive lá, mas sou capaz de levá-los àquele aeroporto, à estação de trem, à Rua Ramona, ou à Estrada Paraíso, palco de formidáveis “rachas” entre felizes e despreocupados proprietários de carros fabricados no fim de 1950, começo dos anos 60.
Percorro, virtualmente, os quatro cantos de Modesto e assim o faço por obra e graça do “Google Maps”. Funciona assim, para quem disso ainda não saiba.
Quem não conhece o sistema experimente-o a fim andar na própria cidade, desde a frente de casa até o barzinho preferido, por exemplo. É diversão garantida.
Não é coisa, portanto, somente para americano do norte, ou europeu. Você também tem à disposição, por tal meio, os trajetos virtuais que lhe venham à cabeça, more em João Pessoa ou em São Sebastião de Lagoa de Roça. Não conheço outra cidade do interior paraibano com nome tão comprido e, exatamente por conta disso, também lá já estive com a mesma facilidade como tenho ido às portas do Kremlin, aos pés da Torre Eiffel e da Estátua da Liberdade.
Mas, a paixão por Modesto? Pois bem, ela decorre de “American Graffiti”, o filme quase autobiográfico de George Lucas que os cinemas brasileiros exibiram sob o título patético de “Loucuras de Verão”, certamente, para atrair bilheteria. É a breve história do último fim de semana de dois jovens amigos na cidade natal antes de seguirem para os estudos numa universidade da Costa Leste dos Estados Unidos com bolsas pagas por comerciantes locais.
O filme tem enredo caudaloso. Começa no entardecer de um domingo de 1962 e termina ao amanhecer seguinte, num fôlego só. O ponto de encontro da garotada é a lanchonete “Mel's Drive-In”, de onde todos se dispersam para o quem-me-quer das ruas. George Lucas o rodou, no ano de 1973, em apenas 29 dias e com orçamento pífio para os padrões americanos: 775 mil dólares.
Quase não há personagens centrais, mas a dupla de pré-universitários Curt e Steve (este último namora a irmã do outro) dá certo rumo à narrativa. Um Curt não competitivo e indeciso quanto ao futuro contrasta com um Steve decidido e disposto a enfrentar os desafios da vida adulta.
Histórias paralelas desenvolvem-se a partir da dispersão da meninada, cada um com seu rumo e seus propósitos, mas o gênio de um dos mais competentes cineastas da atualidade garante unidade ao tema com a trilha de baladas e rocks saudosíssimos. Nos carros, todos os rádios sintonizam o programa de Wolfman Jack, o famoso disk jockey. Aliás, é a este a quem Curt recorre para se encontrar com uma deusa loira que vira de relance num sinal fechado e de quem supõe ter ouvido um “I love you”.
O cunhado e a irmã, que lhe ofereciam carona até o baile da escola, não ouvem seus apelos: “Vi uma deusa. Acho que me disse eu te amo. Dobrem para a Rua G, à direita. Vocês não têm romance? Não têm sentimento? Alguém, nas ruas, me quer”.
Orçamento curto significa elenco inexpressivo, se a questão disser respeito aos grandes nomes do cinema e a suas famas. Mas, por conta disso, “American Graffiti” apresentou ao mundo os talentos só então revelados de Richard Dreyffus (Curt Henderson), Ron Howard (Steve Bolander), Cindy Williams (Laurie), Bo Hopkins (Joe Yong), Harrison Ford (Bob Falfa), Paul Le Mat (John Milner), Candy Clarck (Debbie), Mackenzie Phillips (Carol) e Suzanne Somers (a loirinha na direção de um reluzente Thunderbird com aparição, creiam, de um minuto).
Os garotos que fomos (refiro-me aos setentões de hoje) já quisemos o T-Bird, o Buick, o Packard, ou o Mercury da década de 1950. Sonhamos com as meninas de pulôver e saia plissada, com as garçonetes de patins em lanchonetes do tipo drive-in, com beijos ao som de “Only You”, dos Platters. Quisemos o primeiro rock, aquele de Bill Haley e seus Cometas. Não menos, as baladas bobas, água-com-açúcar, daqueles tempos.
Isso tudo o filme de George Lucas nos oferece. Mas não é o que é por ser apenas fruto do saudosismo de um cineasta brilhante. Assim é por demarcar um fim de ciclo. O que o torna icônico é a reprodução de modos, trejeitos e costumes dos filhos do pós-guerra. É a crônica de uma América esperançosa. É o viver despreocupado de uma geração para a qual os anos seguintes trariam novas tragédias. Lembremos do Vietnam.
Sucesso de crítica e de público – rendeu a grana que permitiria a seu autor a produção assombrosa de Guerra nas Estrelas –, “American Graffiti” mereceu cada indicação ao Oscar e os prêmios amealhados mundo a fora. Em 1995, a Biblioteca do Congresso dos EUA o acolheria como “culturalmente, historicamente e esteticamente significante”.
Sempre voltei à adolescência a cada uma das oito vezes em que revi este filme, para certo deboche da minha companheira: “De novo?”. Ah, sim, a publicidade do studio de George Lucas faz a pergunta na exibição do trailer: “Onde estava você em 1962?”.