Imagino José Américo de Almeida observando a paisagem da Praia do Cabo Branco pela primeira vez. O “Homem de Areia”, saído do Brejo e do meio dos engenhos, desembarcando no litoral. Penso no sossego dos dias quando o escritor residia na casa de número 3336 à beira-mar e compunha o cenário paradisíaco daquela região da cidade.
Hoje sabemos que a escolha por parte de José Américo para viver naquele endereço tornou-se um presente à cidade de João Pessoa. Talvez em seus mais profundos pensamentos o autor de ‘A Bagaceira’, ‘O Boqueirão’, ‘A Paraíba e Seus Problemas’ e ‘Ocasos de Sangue’ tivesse a ciência de que, ao fincar residência naquele cantinho da orla, também escrevia uma carta para o futuro da cidade.
Gosto de imaginar que no texto da imaginária correspondência o escritor tratava da importância de se preservar a história e a cultura da Paraíba pequenina. José Américo de Almeida produzia, a partir do momento que definiu o lugar de morada no Cabo Branco, um ambiente da memória paraibana, fato justificado, por si só, pela sua presença.
A casa de José Américo é, graças à legislação e algum senso de preservação e juízo que existe (e resiste) na antiga Parahyba, símbolo e respiro da antiga cidade que nasceu banhada pelo rio e que só mais tarde descobriu o sal e a riqueza praieira. A residência de número 3336 se destaca. É um ambiente que compõe a coreografia cultural do Cabo Branco.
A casa de José Américo me traz à tona a imagem de outro escritor. Uma fotografia que existiu no arquivo do extinto jornal O Norte, onde Ascendino Leite posava sentado numa cadeira de balanço na calçadinha, já com idade avançada, a contemplar o mar em direção à Ponta do Seixas. A foto datava do início deste século, mas refletia muitas décadas já passadas. Ela foi feita na área próxima à casa de José Américo.
O cenário remetia ao que o próprio José Américo percebia a cada encontro que tinha com a Praia do Cabo Branco e toda a poesia do lugar. Ali, certamente ele enxergava para além do tempo.
E ver as falésias do Cabo Branco a partir da calçadinha em frente à casa de José Américo é, ainda em tempos de hoje, reencontrar a tradução daquele lugar na leitura dos pincéis nas mãos de Hermano José, o artista plástico que tinha o poder de fazer com que o relevo se apresentasse em novas poses para ser retratado em suas telas. A natureza, tão maltratada, era terna nos seus quadros.
Foi ao olhar do Cabo Branco, e porque não do trecho onde está a casa de José Américo, quando este ainda residia ali, que Catarina, a Cátia de França, mirou e viu a Ponta do Seixas se tornar em ouro ao ser tocada pelos raios do Sol mesmo quando estava em outras terras. E pintou música nos acordes para cantar a cidade através da Ponta do Seixas.
Ali, pelos meados do Cabo Branco, José Américo fez pouso. E o endereço tornou-se ponto de parada de políticos, jornalistas e intelectuais em busca de beber um pouco da inteligência e experiência do “Homem de Areia”. E após sua partida física, a casa, preservada, sabe que Zé Américo, homem e obra, parte da história paraibana, ainda vive ali.
A notícia: eu lembro bem do dia em que recebi a notícia da morte de José Américo de Almeida. Eu tinha uns 10 anos e havia chegado para a aula na Escola Estadual José Vieira Diniz, em Tambauzinho. Anunciaram que as aulas estavam suspensas devido ao falecimento daquele personagem histórico.
O meu pai foi me buscar e deu uma rápida explicação sobre quem era José Américo. Falou do escritor, político, um homem público importante. E acrescentou com uma ponta de orgulho que ele era um primo distante, lá pelo quarto, quinto grau, que compartilhava o mesmo Almeida da família.
Cresci e percebi a importância de Zé Américo. Nas leituras sobre a história da Paraíba, nas homenagens como o nome do bairro, da avenida que leva ao Cabo Branco. E, então, conheci a casa de José Américo. O “Homem de Areia” demonstrou sabedoria e bom gosto ao escolher o endereço para descansar.