Os amigos e colegas vão se encantando, vivos ou não. Outro dia, na passarela do calçadão da Duque de Caxias, deparei-me com um deles. Não vou revelar o nome. Questão ética. Fazia parte de um grupinho que se reunia por ali, puxando do Ponto Cem Réis para a Praça João Pessoa. Conversa vesperal a discutir os sinais da vida. Ele se disse afugentado pelos anos, temia revelar o tanto estava anotado na caderneta. “Já não sou criança” – a idade escondida, disfarçada, escamoteada, envergonhada de se expor.
Tolice, rapaz. Rapaz. Os cabelos reduzidos, a careca avançada, as mechas ou cãs, como se dizia no vocabulário antigo, circundando o território brilhante da calvície. Quase não lembrei seu nome. Quando o identifiquei, fiquei pasmo em mim mesmo, fazendo avultar o tipo querido das meninas da adolescência que viam nele o ídolo, o ator esparro saído da tela do cinema para conversar com elas. Realmente, uma desfiguração da natureza (apelidada de natural), metamorfose elástica de que o espelho duvidava. Nunca pensei que chegasse a uma mudança visual tão acentuada.
Falando sério, perdera toda a suntuosidade dos músculos exibidos como taça, o nariz comprido, os regos de rugas perpassando a tez, o rosto amassado. Creio que não percebeu minha admiração. Claudicante, passara por difíceis momentos, coleção de mazelas que fazia questão de reprimir num sorriso achatado, morno, falando como quem assobia.
A conversa não ultrapassava os vinte quilômetros. Uma fala mansa, sussurrada, destilando nostalgias. Ele monologava. Parecendo um bêbado, repetindo episódios de antanho (ainda se emprega tal palavra?): terapia feita a sós. Sem mais paciência, levantei-me e procurei outra rota.
A partir de então, tenho evitado parar para escutá-lo. Não sei se me falta caridade. Está mais alquebrado. O tempo se encarregou em desnudá-lo daquele charme irresistível. Não se acostuma consigo. Cecília Meireles no caminho: “Em que espelho/ perdi a minha face? ” Soube que se exilou em casa. E exilou o entusiasmo pela vida.