Logo no início do seu poema dramático Morte e Vida Severina , João Cabral de Melo Neto retrata um costume antigo de distinguir nomes...

Sobre a Bíblia e antropônimos

biblia nomes escritura alegoria
Logo no início do seu poema dramático Morte e Vida Severina, João Cabral de Melo Neto retrata um costume antigo de distinguir nomes iguais pela filiação e também pelo local de nascimento:

O meu nome é Severino, não tenho outro de pia, como há muitos Severinos
biblia nomes escritura alegoria
que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria. Como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias. Mas isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria. Como então dizer quem fala ora a Vossas Senhorias? Vejamos: é o Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba.

João Cabral mostrou na atualidade um hábito tradicional de não citar nome de família, mas apenas o nome de batismo ou o primeiro nome. Para evitar confusão com nomes iguais ou parecidos, acrescentava-se ao nome da pessoa ou o nome da cidade natal de seu portador ou o patronímico correspondente, como se lê em João Cabral de Melo Neto. Assim, temos Zênão de Eleia; Tales de Mileto; Erasmo de Roterdão; Aristóteles de Estagira (ou o Estagirita); José de Arimateia; Cipião, o Africano; Francisco de Assis; Antônio de Pádua, Leonardo da Vinci, Pedro de Aragão, entre outros. Ora, Jesus era conhecido como Nazareno ou Jesus de Nazaré, como está na Bíblia. Isso significa que é possível acreditar que Jesus tenha nascido em Nazaré e não em Belém. Só para exemplificar (sem citar todas as passagens), Jesus é chamado de Nazareno em Mt (2.23 e 26.71), em Mc (1.24 e 1.9),
biblia nomes escritura alegoria
em Lc (18.37), em Jo (1.45), em At (3,6 e 10.38). Embora em poucas passagens se diga que Jesus nasceu em Belém, em nenhum momento ele é chamado de Jesus, o Belenense, ou Jesus, de Belém. Por que haveria, na Bíblia, quebra nessa tradição de apor o nome da cidade ou o patronímico ao nome próprio? Afinal, Jesus, segundo a tradição, também era citado pela linhagem: Jesus, filho de Davi (Mt.1.1).

Em lugar do nome da cidade de nascimento, também se usava pôr, após o primeiro nome, o nome do pai, como se vê em muitas passagens da Bíblia: Simão, filho de Jonas; Efron, filho de Seor; Rebeca, filha de Batuel, filho de Melca; Labão, filho de Batuel, o arameu; Eleazar, filho de Arão; Beseleel, filho de Uri, filho de Hur; Ooliab, filho de Aquisamec; Safã, filho de Aslias, filho de Mesolam, etc.

Na verdade, apesar de ser considerada a palavra de Deus, a Bíblia contém muitos mitos. Assim como Jesus teria, teoricamente, nascido em Nazaré, os reis magos nunca existiram. Eram sacerdotes persas. Trata-se de uma bela metáfora em que os reis magos simbolizam as três raças humanas dos três continentes então conhecidos: Gaspar, o asiático, representa a raça amarela; Merquior, o velho, representa os europeus e a raça branca; e Baltazar, o negro, representa os africanos. Mateus (Mt. 2: 1-12) fala dos magos, mas não os chama de reis. A lenda diz que esses sacerdotes persas realizariam de Herodes Antipas o pedido de informarem-no da localização de Jesus, mas regressaram ao Oriente sem voltar a ver Herodes.

biblia nomes escritura alegoria
Jesus não nasceu no ano I da nossa era, mas no ano 4 ou 5 antes de Cristo, por um erro no calendário romano-cristão organizado pelo monge armênio Dionísio, o Pequeno (circa 500-545 d.C.), era mulato e não louro dolicocéfalo como o retratou a tradição europeia, e não nasceu no dia 25 de dezembro (data que não está na Bíblia), mas possivelmente em março, segundo Leminski, no livro Jesus a.C., p. 67, reeditado em 2003 pela Brasiliense. Jesus teria morrido no ano 28 ou 29, no final de março ou princípios de abril. O dia 25 de dezembro foi fixado pela Igreja no ano 525 para cristianizar as festas pagãs que se realizavam nessa época, entre 22 e 25, em homenagem ao deus solar Mitra que, apesar de persa, como os reis magos, era festejado em Roma, nas comemorações da entrada do solstício de inverno.

biblia nomes escritura alegoria
Quanto aos mitos bíblicos, citemos a história de Adão e Eva, de uma serpente que fala, de um dilúvio, da destruição de cidades como Sodoma e Gomorra, ou o exagero da abertura das águas do Mar Vermelho para permitir a fuga de Moisés, além de outros mitos. Existem ainda os horrores do Levítico. Em Lv. 15:19-24, por exemplo, o homem se torna impuro se tocar numa mulher menstruada, dormir com ela ou tocar nos móveis em que ela tocou. Em Lv. 25:44, o homem pode possuir escravos das nações que o circundam. Em Lv. 21: 17-21, não se deve aproximar do altar de Deus quem tiver alguma deficiência, como os cegos, coxos, desfigurados ou deformados, ou quem tiver o pé ou o braço fraturado ou for anão ou corcunda. Em Lv. 19: 27-28, há a proibição de tatuagens ou incisões no corpo e até mesmo a proibição de aparar a barba. Em Lv. 11:6-8,
NOTA Nota: a bola de futebol americana é feita de pele de porco.
é impuro quem tocar a pele de um porco morto. Em Lv. 19:19, quem tem uma fazenda e planta dois tipos diferentes de vegetais no mesmo campo merece a morte. Em Lv. 20:14, se um homem fizer sexo com a sogra deverá ser queimado vivo junto com ela. O pior é que, depois de quase todas essas afirmações estarrecedoras, retrógradas e preconceituosas, aparece a declaração: “Eu sou Iahweh.” Isto é: "Eu sou Deus."

biblia nomes escritura alegoria
Apesar disso, os cristãos acreditam que os versículos bíblicos são a palavra de Deus. Cada religião tem seu próprio livro sagrado e a crença de que nele se encontra a palavra divina. Por que não seriam também palavras de Deus as suratas do Corão, os versículos da Tora, os comentários do Talmude, as nasks do Zend Avesta, as suktas do Rigveda ou até mesmo os preceitos morais de Ptah Hotep? Quais desses textos, hinos, versículos, comentários ou preceitos seriam realmente a palavra de Deus? Não sei as respostas, mas ficam as perguntas.
linguagem neutra
José Augusto Carvalho, mestre em Linguística pela Unicamp e doutor em Letras pela USP, é autor de duas gramáticas (uma para cursos de pré-vestibular, outra para o curso superior) e de vários livros de estudos de língua portuguesa e de linguística, como Pequeno Manual de Pontuação em Português (2013) e Estudos sobre o Pronome (2016), ambos da Editora Thesaurus, de Brasília.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE

leia também