Não tenho por preguiçoso quem, rotineiramente, seja capaz de dar cinco voltas a pé em torno da Praça da Preguiça. Perdão, Praça Sílvio Porto, como indica a plaquinha instalada pela Prefeitura desde o ato da inauguração. Foi Oswaldo, meu amigo paulista, quem fez as contas: “As quatro calçadas externas somam seiscentos metros, o que dá três mil ao cabo da série de cinco giros”, disse-me quando já com as pernas bambas, eu me dissolvia em suor. Estávamos, para meu vexame, na metade do percurso.
Praça Sílvio Porto, Manaíra, na capital da Paraíba. ▪ Fonte: GMaps
Oswaldo conheceu João Pessoa há seis anos e se apaixonou pela cidade. Com mulher e filho, veio não somente para o bairro, mas, ainda, para o prédio onde eu moro. Prédio, diga-se, com muitos sotaques,
Foi, exatamente, o que fez meu amigo Oswaldo, gente boa, a exemplo destes que em geral nos chegam. Quase toda sua clientela habita o mesmo endereço e pega os mesmos elevadores até a Academia instalada no piso com equipamentos modernos. Trinta e dois andares separam o ponto mais baixo do mais alto. Juntos, abrigam 360 famílias. A ele expliquei que, sem mais espaço horizontal, Manaíra e outros bairros praieiros crescem para cima.
Aqui, nunca dá para escapar da esteira, dos agachamentos e do levantamento de peso duas vezes por semana, pois sempre estou ao alcance do interfone. E deles não desejo fugir porque já muito me preocupa a falência dos músculos de cuja existência o desuso me fez esquecer. Sinceramente, eu sequer lembrava de que os possuía até que as dores resultantes do mínimo esforço denunciaram
Em dado momento da caminhada noturna meu joelho esquerdo dobrou na Praça da Preguiça. Pus a culpa nos óculos e num buraco desapercebido em trecho escuro. Meu amigo fingiu acreditar nisso até quase ele mesmo tropeçar em um tronco não de todo enterrado. Antes que eu o fizesse, Oswaldo criticou o desprezo institucional ao que poderia ser uma das áreas mais ajardinadas, iluminadas e atraentes do nosso bairro.
Tive a oportunidade para inteirá-lo de como tudo começou. Em meados de 1980, aquilo era um terreno baldio cobiçado pela especulação imobiliária. Os proprietários das casas já construídas ao derredor iniciaram então a luta pela preservação do patrimônio público. Uniram-se e criaram a Associação dos Moradores de Manaíra a fim de ali evitar a edificação desenfreada de espigões. Sob a presidência do engenheiro Eduardo Araújo, o grupo bateu às portas da Prefeitura, recorreu aos canteiros de obras em busca das sobras de madeira,
Conheci Eduardo Araújo em razão de pauta do editor Josélio Gondim para uma das edições da Revista A CARTA, em cuja equipe eu atuava. Moradora, à época, de Manaíra, a professora Ângela Bezerra de Castro fez as apresentações. A matéria sobre este surpreendente e belo exercício de cidadania atraiu, tão logo publicada, as atenções da Sucursal recifense da Veja, o semanário mais importante do País, onde a história também ganhou espaço.
Tempo depois, fui procurado por um Eduardo desejoso de que eu fizesse parte do grupo que cuidava de sua campanha para a Câmara de Vereadores de João Pessoa. Disse que ele teria meu voto, mas recusei o convite. A título de colaboração, sugeri que imprimisse cópias da nossa entrevista e as distribuísse, à medida do possível, com os moradores da orla, reduto do seu potencial eleitorado. Assim fez, ao que me disse. Lembro-me de que foi eleito com votação expressiva.
Sei de seus progressos e retrocessos ao longo do tempo. É uma pena revê-la escura, esburacada e insegura. Ali, o descaso só não parece abater o baobá de origem africana. Até porque este traz de suas origens, nas entranhas e raízes, a resistência aos rigores do clima e ao desprezo dos homens. Mas nem tudo deve ser desesperança para a Praça da Preguiça, ambiente onde o instrutor tropeça e o aluno bambeia as pernas. Afinal, estamos todos, gente, bichos, ruas, parques e praças, à véspera de novas eleições.