Onde mora a felicidade? Não mora, não tem casa, é andarilha, pousa às vezes, vezes mais, vezes menos. Não admite receitas, regras nem milagres. É rebelde, atrevida, teimosa. Muitos, por a procurarem demais, acabam ficando para trás, restando-lhe uma miragem. Queremos um oásis, mas sequer caminhamos para encontrá-lo. Alguns almejam que se materialize diante de si imediatamente.
G. Honthorst, 1623
O escritor David Malouf define em O que é a felicidade? como sendo um estado que pode ser duradouro e contínuo, mas também pode ser uma questão de surpresa [...]. O impasse estabelecido ocorre quando o indivíduo teme as surpresas, se revestindo de uma falsa segurança, armadurando-se numa casca que bloqueia a sua realização em diversos âmbitos: afetivo, profissional etc. Por temer o acesso até si mesmo, por ter tantas possibilidades diante de si, prefere se limitar a encarar o desconhecido.
G. Honthorst, S.XVII
Mas é preciso olhar mais vezes para o horizonte de possibilidades como forma de projetar esperança, de nos sentirmos vivos. Viver não é uma montanha-russa – metáfora tão utilizada para dizer que a vida é feita de “altos e baixos”. As curvas desse brinquedo são previsíveis, e as variações de altura; diferentes da nossa existência. Esse discurso do pico da montanha ao qual somente os privilegiados parecem chegar é uma construção cultural, mais um episódio da série de competições que os seres humanos estabelecem entre si. Não basta ser e ter – tem que mostrar, ostentar até que o outro se sinta infeliz.
G. Honthorst, 1622
No mundo em que se exige tanto protagonismo, quem estiver nos bastidores é invisibilizado e/ou visto como inferior. Mas a felicidade e a vida como um todo não são montadas em um palco. É no silêncio. Na tranquilidade, mesmo eufórica. Naquilo que o olhar não alcança, mas que uma escuta atenta tem a capacidade de resgatar e ressignificar. Antes, é preciso parar de gritar, ou retirar das orelhas o fone de ouvido que toca música alta, impedindo-nos de nos escutarmos. Estamos olhando só para as vitrines, atendendo aos pedidos de compras, aos fetiches coercitivos.
A cultura materialista nos impõe necessidade de desejar tudo-ao-mesmo-tempo-agora. E nessa parafernália de anseios nenhum desejo consegue ser preenchido, restando-nos o vazio denominado infelicidade. Felicidade – como disse um poeta – talvez fosse desejar uma coisa só. Já que isso não é possível, diante de tantos apelos, o caminho – quem sabe – é exigir menos de si e do outro. Sonhar um sonho (im)pulsivo na quietude que nos chama.
▪ Texto originalmente publicado no jornal A União, em 06.10.2023